São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

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O jogador

Ciete Silverio/Folha Imagem
Nelson Leirner na bicicleta que faz publicidade para Duchamp; ao fundo, "Uritório"


Mostra reafirma a importância de Nelson Leirner e sua vocação para tirar a arte do marasmo

JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nelson Leirner é avesso a retrospectivas. Nelson Leirner é avesso à dominação cultural. Nelson Leirner é avesso à lógica perversa do consumo da arte. Mas ele é um artista que segue as regras do jogo. Portanto não é de estranhar que esteja inaugurando hoje uma retrospectiva de seus trabalhos feitos nos últimos dez anos, que sucumba aos padrões internacionais de qualidade ao fazer suas obras (uma vez que tem mais mercado no exterior do que no Brasil) ou que ponha à venda um trabalho com objetos pessoais (a instalação que pode ser vista a partir de terça na Brito Cimino).
Isso porque Leirner é um exímio jogador: "sobrinho predileto" de Duchamp, é o artista que melhor sabe virar o jogo a seu favor. Em outras palavras: encheu a sua "retrospectiva" de obras novas, mostrando apenas 30% do que produziu ao longo dos dez anos desde a sua primeira retrospectiva, no Paço das Artes em 94; mescla às obras de acabamento impecável, bem ao gosto do Primeiro Mundo, tudo o que pode de material "terceiro-mundano"; e vende quando quer -aliás, quando quer vender, "adultera" o próprio trabalho, se necessário.
Exemplo: para sua sala especial na Bienal de São Paulo passada, Leirner concebeu uma instalação ("A Mesa e Seus Pertences") que ironizava a impossibilidade de jogar. Uma mesa de pingue-pongue feita de acrílico cercada de dezenas de raquetes e bolinhas trancadas em vitrines nas paredes e um som ambiente do jogo sendo realizado. A obra foi mostrada na feira de Basel em 2003, acrescida de duas réplicas da Vênus de Milo, uma de cada lado da mesa.
"Aquilo foi uma jogada", conta o artista. "Eu achei que iria suscitar um maior interesse se eu fosse mais irônico. Na Bienal, eu queria frustrar o público. Quando eu incluo a Vênus, a frustração sai do público e vai para ela, porque é ela quem não tem braços para jogar. E o público se torna voyeur. Em Basel, por ser uma feira comercial, não me interessava mesmo dialogar com o público. O que me interessava é que a obra fosse adquirida." A peça foi vendida no primeiro dia da feira.
A exposição no Instituto Tomie Ohtake reúne desdobramentos da obra que Leirner apresentou em 2000 na Bienal de Veneza, uma procissão de bibelôs, bonecos e pequenas estátuas ordenados em fila para entrar em um estádio de futebol (feito de objetos igualmente kitsch). Na Itália, a procissão se dirigia a uma série de apropriações da "Mona Lisa".
Ready-mades retificados (nome dado às apropriações que o artista francês modificava), as obras realizadas a partir de produtos com a imagem da Gioconda (reproduções, livros, canetas) estão na mostra em SP. A série já está na terceira geração. Como não poderia faltar, muitos trabalhos em homenagem a Duchamp, como a bicicleta que traz acoplado um painel publicitário reproduzindo a "Roda de Bicicleta" (1913) e "Uritório", instalação em que Leirner transforma oratórios em mictórios, citação de "Fonte" (1917). O iconoclasmo, como se vê, segue sendo sua marca registrada.

N. LEIRNER 1994+10. Onde: Instituto Tomie Ohtake (av. Faria Lima, 201, SP, tel. 0/xx/11/6844-1900). Quando: hoje, às 20h; de ter. a dom., das 11h às 20h; até 11/6. Quanto: entrada franca.


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