São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

58º FESTIVAL DE CANNES

Famoso por dirigir comédias, americano muda locações para Londres porque "as pessoas interferem demais nos filmes nos EUA"

Allen avança para tragédia em "Match Point"

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Apesar da ironia e de algumas brincadeiras que pontuam o conjunto, "Match Point", filme de Woody Allen que estreou ontem no Festival de Cannes, não é uma comédia. É um melodrama de tom bastante grave e com desfecho trágico -um caminho inédito na obra do diretor americano, que fará 70 anos em dezembro.
"Match point" é uma expressão usada no tênis para designar a conquista de um ponto que pode encerrar uma partida. É um momento muito difícil e dramático para os jogadores.
No filme, um professor irlandês de tênis (vivido por Jonathan Rhys Meyers), pobre e ambicioso, dá aulas para a alta burguesia londrina e se envolve com a família de um aluno milionário (Matthew Goode). Acaba se casando com a irmã (Emily Mortimer) do amigo rico, embora apaixonado por outra mulher, uma atriz americana (Scarlett Johansson), com quem continua se encontrando após o matrimônio. O jogo se complica infinitamente quando a atriz revela que está grávida.
Na primeira metade, "Match Point" está muito inspirado pelos romances ingleses do século 19 que abordaram dramas de ascensão social, como os de Thackeray ("Barry Lyndon", "Vanity Fair"), e tem também algo da observação psicológica de Henry James. Depois, se envereda de maneira meio apressada pelo mundo de Dostoiévski, cuja obra-prima "Crime e Castigo" é citada no filme, que termina com uma reflexão sobre culpa e punição.
"Queria fazer um link entre o meu pequeno filme e este grande romance do século 19 que é "Crime e Castigo'", disse Allen em entrevista à imprensa, logo após a exibição de "Match Point". "Mas é impossível você obter a profundidade do romance de Dostoiévski em um filme", completou, ao lado da supersexy Scarlett Johansson e de Emily Mortimer e Jonathan Rhys Meyers, que compõem o trio amoroso do filme.
"Match Point" é o primeiro trabalho de Allen rodado na Inglaterra e foi feito sobretudo com patrocínio britânico, como o da rede BBC. Talvez por isso, às vezes tenha um ar turístico, mostrando o Tâmisa, o Parlamento, a guarda da rainha e a galeria Saatchi.
Segundo Allen, que não atua no filme, "Match Point" poderia no entanto ser filmado em qualquer lugar. "Poderia se passar em Paris ou Nova York. Só o fiz em Londres porque está cada vez mais difícil filmar nos EUA. Eles interferem demais no trabalho, começam a dar opinião em tudo", afirmou o cineasta.
Se os romances do século 19 tinham desfecho moralizador, o de Woody Allen termina de modo totalmente cínico, o que moderniza a trama antiquada. Mas Allen nega que esteja sendo cínico ao mostrar um crime que não é punido. "Há centenas de crimes na sociedade que não são punidos", disse ele na entrevista coletiva, em que permaneceu sério a maior parte do tempo.
Mais interessante, porém, que o volteio dostoievskiano do diretor é o modo como ele descreve, com bastante "humor", as infelicidades da vida conjugal. Aliás, o filme de Allen é o segundo em Cannes, após a produção francesa "Lemming" (sobre as desgraças de um jovem casal), a demonstrar um interesse muito perverso em desconstruir casamentos.


Texto Anterior: "Casa de areia": Waddington retrata deserto maranhense como labirinto cerrado
Próximo Texto: Deneuve dá "lição" e ganha Palma especial
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.