São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

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CDS

FOLK

Compositor irlandês é revelação da trilha do filme "Closer", de Mike Nichols

Damien Rice modula a voz e o coração em seu álbum "O"

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Levou mais de três anos, mas finalmente chegou. "O", disco de estréia do cantor e compositor irlandês Damien Rice, acaba de ser lançado no Brasil pela Warner, e, ainda que tardio, corre o risco de ser "o" disco de 2005.
Puxado pela música-tema de "Closer - Perto Demais", filme de Mike Nichols, "O" foi lançado em fevereiro de 2002 no mercado britânico e em janeiro deste ano continuava na oitava posição entre os mais vendidos do reino.
"The Blower's Daughter", que é tocada integralmente na abertura e no final da produção mais recente do diretor, provocou nele uma reação parecida à de quando, em 1967, "descobriu" uma certa dupla Simon & Garfunkel e resolveu incluí-la em "A Primeira Noite de um Homem".
Dos versos inesquecíveis para quem viu o filme ou ouviu a música -"Eu não consigo tirar meus olhos de você"- nasceu também o slogan de "Closer": "Se você acredita em amor à primeira vista, nunca vai parar de procurar".
Em entrevista a um jornal americano, Jude Law, um dos atores do filme, revelou que a música de Rice foi "contratada" por Nichols antes das estrelas do elenco.
E não é para menos. Com a voz e o violão de um Nick Drake ou Leonard Cohen contemporâneo, "The Blower's Daughter" é só a ponta do iceberg de um dos mais sinceros e doídos discos de estréia de que se tem notícia -feito que o geninho Beck levou oito anos e sete álbuns para atingir com o subestimado "Sea Change" (2002).
Gravado praticamente todo em um porta-estúdio caseiro, "O" junta os dedilhados intimistas do cantor com arranjos de violoncelo e violino e, como cereja do bolo, a voz adocicada de Lisa Hannigan. E tome sofrimento:
"Um brinde a você e ao seu amorzinho / Eu tenho anos para esperar por você / E os sinos do seu casamento em meus ouvidos / Você me deu três cigarros para fumar as minhas lágrimas", canta, com a voz embriagada, piano ao fundo, em "Cheers Darlin'".
"Cold Water", talvez a mais triste de todo o disco -o que não é pouco-, começa com os lamentos de Rice agonizando à beira da morte ("Tudo o que tenho é a sua mão / Senhor, você pode me ouvir agora?"). A agonia é logo interrompida quando a voz angelical de Lisa assume o dueto e, mais tarde, quando a canção é tomada por um coral de canto gregoriano. Soturno, não caricato.
Ao longo das dez faixas de "O", a poesia do bardo irlandês, que, como seu conterrâneo Bono, não dispensa uma luta pelos direitos humanos em Mianmar, Irã e onde for necessário, visita o drama de casais de jovens namorados às voltas com um amor impossível ("Delicate"), as circunstâncias de uma separação ("Volcano") e o medo da perda ("Cannonball").
Mas, ao mesmo tempo em que abrem as portas para o desespero, as composições de Rice trazem embutidas a possibilidade de redenção catártica pelas cordas -de orquestra, em "Amie" e "Eskimo", ou vocais mesmo, como na esgoelada "I Remember", que faz os pêlos do braço levantarem com o volume da música. Pense no radiohead Thom Yorke, em sua melhor forma, cantando o hino indie "Creep"...
Rice tem esse mesmo poder: o de, com as modulações de voz, jogar a instrumentação para cima, para baixo, para todos os lados. E, quando o faz, bem mais que a intensidade física de suas canções, é o coração de quem ouve que é jogado para cima, para baixo, para todos os lados.


O
    
Artista: Damien Rice
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 30, em média



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