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Crítica/erudito/"O Castelo do Barba-Azul"
Ópera adota riqueza minimalista
Com direção de Felipe Hirsch, montagem tem momentos monumentais e coreografia minuciosa
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A primeira imagem surge
de repente, inesperada
e chocante: são imensas
agulhas, tesouras, instrumentos cirúrgicos, em bruxuleantes
tons de raio-X, passando no ar à
frente do palco. Ao fundo, sobre
a rampa cinza, num espaço de
sombras, está o malfadado casal: a apaixonada Judite (soprano Céline Imbert) e o inapaixonável Barba-Azul (barítono
Stephen Bronk). Abriu-se a primeira das sete portas do castelo
do Duque, sete dimensões de
um homem, espectral e fabulosamente desenhadas nesta
montagem do diretor Felipe
Hirsch e da cenógrafa Daniela
Thomas.
A estréia paulista da ópera de
Béla Bartók (1881-1945) foi anteontem à tarde no Teatro Municipal, com a orquestra da casa
regida por Rodrigo de Carvalho; mas a produção original é
do Palácio das Artes, em Belo
Horizonte, onde foi encenada
em 2006. A riqueza magra da
cena estabelece desde pronto
uma espécie de expressionismo
minimalista, se se pode falar assim. São as artes de Hirsch e
Thomas, auxiliados pela luz de
Beto Bruel e pelo desenho de
projeção de Henrique Martins.
Tudo está minuciosamente
coreografado, mas não há qualquer artificialismo, justo ali,
onde tudo é tão artificial. Desde
o prólogo -a cabeça do ator
Guilherme Weber, solta no ar,
recitando as sugestivas perguntas do libretista Béla Balázs,
que redefinem em tom moderno a lenda seiscentista de Perrault-, até o fim -a cabeça do
Duque, desaparecendo lentamente no escuro-, não há um
detalhe que não faça sentido,
nesse jogo de espelhos, incluindo as sete portas, que são também monumentais lápides espelhadas.
Para os dois cantores, perdidos nessa noite limpa, nada
acontece e tudo se dá. À medida
que se vão sucedendo as visões
de cada sala (as tesouras, os alvos militares, a grande tela digital de cifras, os galhos secos, o
panorama Google Earth, as lágrimas, os crânios), também se
vai intensificando o xadrez sem
tabuleiro do casal. Cada uma
será afinal invadida pelo vermelho sangüíneo; e nesse contexto até o fato de a orquestra
encobrir, muitas vezes, a voz de
Céline Imbert não chegava a
prejudicar o efeito. O contraste
com o tom severo de Bronk
soava estudado e natural, como
o resto.
Orquestra
A Sinfônica Municipal, de
sua parte, alternava momentos
de brilho com outros em que a
mágica da instrumentação não
chegava a ultrapassar sua promessa. Foi estupendo o acorde
brutal de sol maior na quinta
sala; foi mágico o silêncio depois; foi uma pena o lá bemol da
retomada. O maestro-assistente da OSM, que morou anos na
Hungria, rege Bartók como segunda língua; mas, assim como
o texto aqui foi cantado em alemão, também o texto da música
soava às vezes estrangeiro, as
dissonâncias menos afiadas do
que em Budapeste.
São muitas catástrofes, húngaras e universais, das mais
íntimas às mais públicas, adivinhadas nessa premonitória
ópera de 1911. Ganham nessa
montagem um memorial da
maior eloqüência, sem nenhum gesto de grandiloqüência, resistindo com sombras e
nuvens a tudo o que nos faz
esquecer.
O CASTELO DO BARBA-AZUL
Quando: hoje, quinta e sábado,
às 20h30
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/11/3222-8698; classificação: a partir de 5 anos)
Quanto: hoje, de R$ 10 a R$ 20; demais dias, de R$ 20 a R$ 40
Avaliação: bom
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