São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2008

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Crítica/erudito/"O Castelo do Barba-Azul"

Ópera adota riqueza minimalista

Com direção de Felipe Hirsch, montagem tem momentos monumentais e coreografia minuciosa

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A primeira imagem surge de repente, inesperada e chocante: são imensas agulhas, tesouras, instrumentos cirúrgicos, em bruxuleantes tons de raio-X, passando no ar à frente do palco. Ao fundo, sobre a rampa cinza, num espaço de sombras, está o malfadado casal: a apaixonada Judite (soprano Céline Imbert) e o inapaixonável Barba-Azul (barítono Stephen Bronk). Abriu-se a primeira das sete portas do castelo do Duque, sete dimensões de um homem, espectral e fabulosamente desenhadas nesta montagem do diretor Felipe Hirsch e da cenógrafa Daniela Thomas.
A estréia paulista da ópera de Béla Bartók (1881-1945) foi anteontem à tarde no Teatro Municipal, com a orquestra da casa regida por Rodrigo de Carvalho; mas a produção original é do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, onde foi encenada em 2006. A riqueza magra da cena estabelece desde pronto uma espécie de expressionismo minimalista, se se pode falar assim. São as artes de Hirsch e Thomas, auxiliados pela luz de Beto Bruel e pelo desenho de projeção de Henrique Martins.
Tudo está minuciosamente coreografado, mas não há qualquer artificialismo, justo ali, onde tudo é tão artificial. Desde o prólogo -a cabeça do ator Guilherme Weber, solta no ar, recitando as sugestivas perguntas do libretista Béla Balázs, que redefinem em tom moderno a lenda seiscentista de Perrault-, até o fim -a cabeça do Duque, desaparecendo lentamente no escuro-, não há um detalhe que não faça sentido, nesse jogo de espelhos, incluindo as sete portas, que são também monumentais lápides espelhadas.
Para os dois cantores, perdidos nessa noite limpa, nada acontece e tudo se dá. À medida que se vão sucedendo as visões de cada sala (as tesouras, os alvos militares, a grande tela digital de cifras, os galhos secos, o panorama Google Earth, as lágrimas, os crânios), também se vai intensificando o xadrez sem tabuleiro do casal. Cada uma será afinal invadida pelo vermelho sangüíneo; e nesse contexto até o fato de a orquestra encobrir, muitas vezes, a voz de Céline Imbert não chegava a prejudicar o efeito. O contraste com o tom severo de Bronk soava estudado e natural, como o resto.

Orquestra
A Sinfônica Municipal, de sua parte, alternava momentos de brilho com outros em que a mágica da instrumentação não chegava a ultrapassar sua promessa. Foi estupendo o acorde brutal de sol maior na quinta sala; foi mágico o silêncio depois; foi uma pena o lá bemol da retomada. O maestro-assistente da OSM, que morou anos na Hungria, rege Bartók como segunda língua; mas, assim como o texto aqui foi cantado em alemão, também o texto da música soava às vezes estrangeiro, as dissonâncias menos afiadas do que em Budapeste.
São muitas catástrofes, húngaras e universais, das mais íntimas às mais públicas, adivinhadas nessa premonitória ópera de 1911. Ganham nessa montagem um memorial da maior eloqüência, sem nenhum gesto de grandiloqüência, resistindo com sombras e nuvens a tudo o que nos faz esquecer.


O CASTELO DO BARBA-AZUL
Quando:
hoje, quinta e sábado, às 20h30
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/11/3222-8698; classificação: a partir de 5 anos)
Quanto: hoje, de R$ 10 a R$ 20; demais dias, de R$ 20 a R$ 40
Avaliação: bom


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