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MÚSICA
Crítica/"Further Complications"
Jarvis Cocker enfrenta a crise do macho em disco roqueiro
Em seu segundo trabalho solo, ex-vocalista do Pulp encontra rebeldia tardia
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
O
que querem os homens
de 45? Jarvis Cocker,
por exemplo, se separou da mulher, deixou a barba
crescer e abraçou o rock'n'roll
como se fosse um excitado adolescente a celebrar o sexo sem
compromisso. Mas, no fundo,
ele está bem deprê. Ao menos,
esse é o retrato que pinta em
seu segundo disco solo, "Further Complications".
O cantor inglês sabe que, no
universo pop, já é um "dinossauro". Começou a carreira aos
15, mas só quando estava quase
desistindo da música, aos 30
anos, é que finalmente fez sucesso à frente do Pulp.
Ao lado de Oasis e Blur, formou a trinca do britpop que
agitou o mundo nos anos 90.
Jarvis era o espírito da banda,
cujo diferencial residia nas letras, crônicas sociais que observavam garotos e garotas românticos, mas sem a autopiedade de um Morrissey da vida.
É justamente essa imagem
que ele agora tenta abandonar.
Em "I Never Said I Was Deep"
(nunca falei que eu era profundo, em tradução livre), ele deixa
claro que não está interessado
em encontrar a alma gêmea; ele
só quer sexo. E canta: "Se você
quer alguém para conversar,
você está perdendo seu tempo".
Jarvis, aliás, diz que gostaria de
ver gravado em sua tumba o título dessa música.
A faixa, uma balada que lembra os momentos mais calmos
do Pulp, contrasta com o clima
geral do álbum. "Further Complications" tem produção de
Steve Albini, sujeito que trabalhou com bandas mais pesadas,
como Nirvana e Pixies.
"Angela", a faixa de abertura,
tem um repetitivo riff de guitarra à glam rock, e o cantor celebra os "talentos" da moça do
título, que tem "por volta de 23
anos" e a mais antiga das profissões. A música faz par com a
"sensível" "Fuckingsong", em
que diz: "Nunca vou te tocar,
então escrevi esta canção/ pensando em você deitada na cama". Jarvis está nervoso!
"Homewrecker" tem a presença de Steve MacKay, que tocou saxofone no clássico "Funhouse" (1970), do Stooges. É
Jarvis em momento punk. Mas
o tom roqueiro lhe cai mal, e algumas faixas, como "Caucasian
Blues", são fracas.
Letrista talentoso
A sagacidade das letras do
cantor, que no auge fez fãs esperarem por novas músicas na
mesma ansiedade com que os
seguidores da série "Lost" esperam por novos episódios,
volta em "Leftovers": "Eu a encontrei no museu de paleontologia/ e não tenho nada contra
isso/ Eu disse que, se você quiser estudar dinossauros/ conheço um espécime cujo interesse é inquestionável".
A rebeldia e autoironia caem
por terra na faixa que encerra o
álbum, "You're in My Eyes
(Discosong)". Com sample de
"Rolling Down the Hills" do
Glass Candy, Jarvis expõe toda
sua melancolia. É uma noite de
quinta-feira, num clube disco
provinciano e decadente, ele
nos conta. Em um momento de
alucinação, ele vê o fantasma de
sua saudosa namorada morta,
mas percebe que ela só se materializa enquanto ele continuar
dançando. E Jarvis, então, não
pode parar, e promete "dançar
até o amanhecer": "Não quero
te perder de novo". É uma das
melhores letras de amor perdido já feitas na música pop.
FURTHER COMPLICATIONS
Artista: Jarvis Cocker
Lançamento: Rough Trade (importado;
R$ 35, em média, mais taxa de importação, em www.amazon.com)
Avaliação: bom
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