São Paulo, quarta-feira, 13 de maio de 2009

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MÚSICA

Crítica/"Further Complications"

Jarvis Cocker enfrenta a crise do macho em disco roqueiro

Em seu segundo trabalho solo, ex-vocalista do Pulp encontra rebeldia tardia

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O que querem os homens de 45? Jarvis Cocker, por exemplo, se separou da mulher, deixou a barba crescer e abraçou o rock'n'roll como se fosse um excitado adolescente a celebrar o sexo sem compromisso. Mas, no fundo, ele está bem deprê. Ao menos, esse é o retrato que pinta em seu segundo disco solo, "Further Complications".
O cantor inglês sabe que, no universo pop, já é um "dinossauro". Começou a carreira aos 15, mas só quando estava quase desistindo da música, aos 30 anos, é que finalmente fez sucesso à frente do Pulp.
Ao lado de Oasis e Blur, formou a trinca do britpop que agitou o mundo nos anos 90. Jarvis era o espírito da banda, cujo diferencial residia nas letras, crônicas sociais que observavam garotos e garotas românticos, mas sem a autopiedade de um Morrissey da vida.
É justamente essa imagem que ele agora tenta abandonar. Em "I Never Said I Was Deep" (nunca falei que eu era profundo, em tradução livre), ele deixa claro que não está interessado em encontrar a alma gêmea; ele só quer sexo. E canta: "Se você quer alguém para conversar, você está perdendo seu tempo". Jarvis, aliás, diz que gostaria de ver gravado em sua tumba o título dessa música.
A faixa, uma balada que lembra os momentos mais calmos do Pulp, contrasta com o clima geral do álbum. "Further Complications" tem produção de Steve Albini, sujeito que trabalhou com bandas mais pesadas, como Nirvana e Pixies.
"Angela", a faixa de abertura, tem um repetitivo riff de guitarra à glam rock, e o cantor celebra os "talentos" da moça do título, que tem "por volta de 23 anos" e a mais antiga das profissões. A música faz par com a "sensível" "Fuckingsong", em que diz: "Nunca vou te tocar, então escrevi esta canção/ pensando em você deitada na cama". Jarvis está nervoso!
"Homewrecker" tem a presença de Steve MacKay, que tocou saxofone no clássico "Funhouse" (1970), do Stooges. É Jarvis em momento punk. Mas o tom roqueiro lhe cai mal, e algumas faixas, como "Caucasian Blues", são fracas.

Letrista talentoso
A sagacidade das letras do cantor, que no auge fez fãs esperarem por novas músicas na mesma ansiedade com que os seguidores da série "Lost" esperam por novos episódios, volta em "Leftovers": "Eu a encontrei no museu de paleontologia/ e não tenho nada contra isso/ Eu disse que, se você quiser estudar dinossauros/ conheço um espécime cujo interesse é inquestionável".
A rebeldia e autoironia caem por terra na faixa que encerra o álbum, "You're in My Eyes (Discosong)". Com sample de "Rolling Down the Hills" do Glass Candy, Jarvis expõe toda sua melancolia. É uma noite de quinta-feira, num clube disco provinciano e decadente, ele nos conta. Em um momento de alucinação, ele vê o fantasma de sua saudosa namorada morta, mas percebe que ela só se materializa enquanto ele continuar dançando. E Jarvis, então, não pode parar, e promete "dançar até o amanhecer": "Não quero te perder de novo". É uma das melhores letras de amor perdido já feitas na música pop.


FURTHER COMPLICATIONS Artista: Jarvis Cocker
Lançamento: Rough Trade (importado; R$ 35, em média, mais taxa de importação, em www.amazon.com)
Avaliação: bom




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