São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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"No meu trabalho, não há esperança nem explicação"

Diretor diz que o mal-estar gerado por seus vídeos ocorre porque eles não deixam claro como as pessoas devem pensar

Para o cineasta Romain Gavras, a violência de episódios reais é muito maior do que as histórias de seus clipes

Reprodução do clipe
Cena do clipe "Born Free", da cantora M.I.A., em que meninos ruivos são exterminados

FERNANDA MENA
THIAGO NEY

DA REPORTAGEM LOCAL Ele foi taxado de sensacionalista e irresponsável. Acusado de incitar a violência e a homofobia. Tudo por conta de dois videoclipes que dirigiu contendo cenas traumáticas de agressão e de morte. Primeiro veio "Stress", em 2008, do duo francês Justice, em que uma gangue vandaliza, espanca e abusa de mulheres pelas ruas de Paris. Há poucos dias, apareceu "Born Free", da anglo-cingalesa M.I.A., em que, por exemplo, um menino leva um tiro na cabeça à queima-roupa (este pode ser visto em www.miauk.com).
Mas o francês Romain Gavras, 29, filho de Costantin Costa-Gavras, nome maiúsculo do cinema político, dá de ombros. "A gente vê coisas muito piores do que isso na vida real", afirma o jovem cineasta, em entrevista por e-mail, à Folha.
Na conversa, ele afirma gostar de todo tipo de música, de Rachmaninoff [compositor e pianista russo] a Too Short [rapper norte-americano].
"Ultimamente tenho ouvido muito Talking Heads e Dead Kennedys", conta o diretor, que prepara o lançamento do longa "Redheads", sobre dois adolescentes ruivos que odeiam o mundo e tentam criar um novo país. Abaixo, a entrevista de Romain Gavras.

 

FOLHA - Você dirigiu dois videoclipes muito controversos. Qual foi a sua intenção?
ROMAIN GAVRAS
- Não queria criar polêmica. Mas sabia que ambos os videoclipes eram provocativos. O controverso dos clipes, no entanto, não é o fato de eles retratarem atos de violência. A gente vê coisas bem piores na vida real! O que gera tanto mal-estar é que as histórias dos dois clipes não deixam claro para as pessoas o que elas devem pensar. Para quem está acostumado a ser conduzido a uma conclusão, isso é chocante. As pessoas se sentem bem com histórias que apontam: "Isso é bom" ou "Isso é mau".

FOLHA - De qualquer maneira, violência extrema parece ser um ingrediente importante. Por quê?
GAVRAS
- Sinceramente, não acho que isso seja violência extrema. O mundo é violento, e você precisa ser cego para não enxergar isso. Muito mais violentos que meus videoclipes são os massacres promovidos pelas forças de Israel contra palestinos em Gaza. Acho muito mais violento quando o exército dos EUA bombardeia Bagdá. E acho muito mais violento o banco Goldman Sachs estuprar a Grécia, meu segundo lar. Meu trabalho não é nada violento se comparado a tudo isso. Ocorre que, geralmente, os cineastas que se debruçam sobre a violência ou criam finais edificantes e esperançosos ou tentam explicar o porquê de tudo aquilo. No meu trabalho, não há esperança nem explicação.

FOLHA - Como surgiram as parcerias com o duo Justice e com M.I.A.?
GAVRAS
- Tanto M.I.A. como os caras do Justice são meus amigos. M.I.A. tem um cabelo legal e dentes bonitos, por isso disse "sim" quando ela me perguntou se eu faria um videoclipe para ela. Acho que todos eles são ótimos artistas e pessoas muito inteligentes. Nós conversamos muito sobre os clipes antes de fecharmos o roteiro. Mas eu coloco tanto do meu ego nos meus trabalhos que acabo ficando com a impressão de que eles são mais meus do que dos artistas que me fizeram a encomenda deles.

FOLHA - "Born Free", de M.I.A., é inspirado no seu próximo filme, "Redheads". Do que trata o filme?
GAVRAS
- "Redheads" já está em produção. Tem como ator principal Vincent Cassel, o mais brasileiro dos atores franceses. É a história de dois ruivos [redheads] que odeiam tudo e todos. Os dois tentam ir para a Irlanda para criar um novo país para eles. É um enredo estúpido, mas que ganhou tratamento típico dos filmes de drama. É uma espécie de "road movie sombrio". Um roteiro que escrevi com meu amigo árabe e gordo Karim Boukercha [jornalista e diretor de documentários sobre grafite]. Tratamos de temas como imigração, identidade e etnia, mas não de modo frontal. Odeio quando questões desse tipo se tornam panfletárias.

FOLHA - Quando passou a filmar?
GAVRAS
- Aos 15 anos, criei um coletivo com meu amigo Kim Chapiron chamado Kourtrajmé. Reunimos cerca de cem pessoas e, por dez anos, fizemos filmes absolutamente independentes, sem dinheiro nenhum envolvido.

FOLHA - Seu pai, Costa Gavras, é um ícone do cinema político. Como isso influenciou você?
GAVRAS
- Cresci muito perto do cinema por causa dele. E isso certamente tornou meu caminho mais fácil até aqui. A influência do meu pai se deu mais sobre o que fazer com o cinema do que sobre como fazer cinema, ou seja, mais sobre conteúdo do que forma. Seria um desperdício total se eu tivesse me prostituído dirigindo videoclipes para a Lady Gaga. Ao mesmo tempo, o mundo mudou demais desde que meu pai tinha minha idade, nos anos 1960. Na época dele, conceitos de certo e errado eram mais claros. Meu pai sempre retratou o mundo da forma como ele o compreendia, ao passo que eu retrato um mundo que não consigo compreender. Mas nunca me comparo a ele. Ainda estou longe de tudo o que fez.

FOLHA - Qual filme de seu pai é o seu favorito?
GAVRAS
- "Estado de Sítio" [1973]. É a coisa mais radical que eu já vi.

FOLHA ONLINE
Assista a trecho do clipe de "Born Free", da M.I.A.
www.folha.com.br/101322


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