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"No meu trabalho, não há esperança nem explicação"
Diretor diz que o mal-estar gerado por seus vídeos ocorre porque eles não deixam claro como as pessoas devem pensar
Para o cineasta Romain Gavras, a violência de episódios reais é muito maior do que as histórias de seus clipes
Reprodução do clipe
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Cena do clipe "Born Free", da cantora M.I.A., em que meninos ruivos são exterminados
FERNANDA MENA
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele foi taxado de sensacionalista e irresponsável. Acusado
de incitar a violência e a homofobia. Tudo por conta de dois
videoclipes que dirigiu contendo cenas traumáticas de agressão e de morte.
Primeiro veio "Stress", em
2008, do duo francês Justice,
em que uma gangue vandaliza,
espanca e abusa de mulheres
pelas ruas de Paris. Há poucos
dias, apareceu "Born Free", da
anglo-cingalesa M.I.A., em que,
por exemplo, um menino leva
um tiro na cabeça à queima-roupa (este pode ser visto em
www.miauk.com).
Mas o francês Romain Gavras, 29, filho de Costantin
Costa-Gavras, nome maiúsculo
do cinema político, dá de ombros. "A gente vê coisas muito
piores do que isso na vida real",
afirma o jovem cineasta, em entrevista por e-mail, à Folha.
Na conversa, ele afirma gostar de todo tipo de música, de
Rachmaninoff [compositor e
pianista russo] a Too Short
[rapper norte-americano].
"Ultimamente tenho ouvido
muito Talking Heads e Dead
Kennedys", conta o diretor,
que prepara o lançamento do
longa "Redheads", sobre dois
adolescentes ruivos que
odeiam o mundo e tentam criar
um novo país. Abaixo, a entrevista de Romain Gavras.
FOLHA - Você dirigiu dois videoclipes muito controversos. Qual foi a
sua intenção?
ROMAIN GAVRAS
- Não queria
criar polêmica. Mas sabia que
ambos os videoclipes eram provocativos. O controverso dos
clipes, no entanto, não é o fato
de eles retratarem atos de violência. A gente vê coisas bem
piores na vida real!
O que gera tanto mal-estar é
que as histórias dos dois clipes
não deixam claro para as pessoas o que elas devem pensar.
Para quem está acostumado a
ser conduzido a uma conclusão,
isso é chocante. As pessoas se
sentem bem com histórias que
apontam: "Isso é bom" ou "Isso
é mau".
FOLHA - De qualquer maneira, violência extrema parece ser um ingrediente importante. Por quê?
GAVRAS
- Sinceramente, não
acho que isso seja violência extrema. O mundo é violento, e
você precisa ser cego para não
enxergar isso. Muito mais violentos que meus videoclipes
são os massacres promovidos
pelas forças de Israel contra palestinos em Gaza. Acho muito
mais violento quando o exército dos EUA bombardeia Bagdá.
E acho muito mais violento o
banco Goldman Sachs estuprar
a Grécia, meu segundo lar.
Meu trabalho não é nada violento se comparado a tudo isso.
Ocorre que, geralmente, os cineastas que se debruçam sobre
a violência ou criam finais edificantes e esperançosos ou tentam explicar o porquê de tudo
aquilo. No meu trabalho, não
há esperança nem explicação.
FOLHA - Como surgiram as parcerias com o duo Justice e com M.I.A.?
GAVRAS
- Tanto M.I.A. como os
caras do Justice são meus amigos. M.I.A. tem um cabelo legal
e dentes bonitos, por isso disse
"sim" quando ela me perguntou se eu faria um videoclipe
para ela. Acho que todos eles
são ótimos artistas e pessoas
muito inteligentes. Nós conversamos muito sobre os clipes
antes de fecharmos o roteiro.
Mas eu coloco tanto do meu
ego nos meus trabalhos que
acabo ficando com a impressão
de que eles são mais meus do
que dos artistas que me fizeram
a encomenda deles.
FOLHA - "Born Free", de M.I.A., é
inspirado no seu próximo filme,
"Redheads". Do que trata o filme?
GAVRAS
- "Redheads" já está
em produção. Tem como ator
principal Vincent Cassel, o
mais brasileiro dos atores franceses. É a história de dois ruivos [redheads] que odeiam tudo e todos. Os dois tentam ir
para a Irlanda para criar um
novo país para eles.
É um enredo estúpido, mas
que ganhou tratamento típico
dos filmes de drama. É uma espécie de "road movie sombrio".
Um roteiro que escrevi com
meu amigo árabe e gordo Karim Boukercha [jornalista e diretor de documentários sobre
grafite]. Tratamos de temas como imigração, identidade e etnia, mas não de modo frontal.
Odeio quando questões desse
tipo se tornam panfletárias.
FOLHA - Quando passou a filmar?
GAVRAS
- Aos 15 anos, criei um
coletivo com meu amigo Kim
Chapiron chamado Kourtrajmé. Reunimos cerca de cem
pessoas e, por dez anos, fizemos filmes absolutamente independentes, sem dinheiro nenhum envolvido.
FOLHA - Seu pai, Costa Gavras, é
um ícone do cinema político. Como
isso influenciou você?
GAVRAS
- Cresci muito perto do
cinema por causa dele. E isso
certamente tornou meu caminho mais fácil até aqui. A influência do meu pai se deu mais
sobre o que fazer com o cinema
do que sobre como fazer cinema, ou seja, mais sobre conteúdo do que forma. Seria um desperdício total se eu tivesse me
prostituído dirigindo videoclipes para a Lady Gaga.
Ao mesmo tempo, o mundo
mudou demais desde que meu
pai tinha minha idade, nos anos
1960. Na época dele, conceitos
de certo e errado eram mais
claros. Meu pai sempre retratou o mundo da forma como ele
o compreendia, ao passo que eu
retrato um mundo que não
consigo compreender. Mas
nunca me comparo a ele. Ainda
estou longe de tudo o que fez.
FOLHA - Qual filme de seu pai é o
seu favorito?
GAVRAS
- "Estado de Sítio"
[1973]. É a coisa mais radical
que eu já vi.
FOLHA ONLINE
Assista a trecho do clipe
de "Born Free", da M.I.A.
www.folha.com.br/101322
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