São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Hoje com 27 anos, Hua Yong entrou para o Circo Imperial da China quando tinha sete anos e é atualmente uma das estrelas da trupe, que se apresenta em São Paulo nesta semana

Vida nas alturas

"Do you like football?", pergunta o bailarino chinês Chu Zhi Yong aos brasileiros à sua volta. Ele é um dos 50 integrantes da trupe do Circo Imperial da China, que chegou ao Brasil no domingo, 5, para uma série de apresentações de equilibrismo, acrobacias e contorcionismo. Yong não tem a menor idéia de quem é Lula nem que o presidente brasileiro acaba de voltar de uma viagem a seu país. É outro nome -Ronaldo- que ele associa imediatamente ao Brasil. "Todo mundo conhece Ronaldo", interrompe a equilibrista Chen Kun, num inglês bem pouco compreensível, apesar das horas diárias que ela dedica ao estudo do idioma, num caderninho com palavras escritas em inglês e em caracteres orientais.

Kun é uma das poucas da trupe que falam um segundo idioma. A grande maioria nem "arranha" no inglês, o que dificultava a vida dos técnicos do Teatro do Sesi, em Porto Alegre, onde eles estrearam na semana passada. "Chega a demorar até 25% mais tempo para montar a luz, por exemplo", conta Macgyver Zitto, assistente-geral da produção, que tem feito as vezes de babá da companhia no Brasil: foi buscá-los no aeroporto, levou-os para comprar comida e roupas. Para driblar a barreira da língua, ele monta uma tabela com frases básicas como "qual é seu nome?" e "como vai você?" em português, inglês e chinês.

Toda viagem do grupo ao exterior é acompanhada por um funcionário do governo, que está lá para garantir que ninguém resolva pedir asilo político no meio da turnê. Na terça, 8, uma turma precisou ir ao centro da cidade comprar roupas, e um funcionário do governo foi junto, sem desgrudar os olhos dos três integrantes que circularam pelas lojas de Porto Alegre. O passeio era para vestir a caçula da trupe, Zheng Yuan, 15, que teve sua mala extraviada pela companhia aérea e estava com a mesma roupa desde domingo. Encabulada, ela pediu que os homens do grupo a deixassem sozinha na loja na hora de escolher roupas íntimas.

O ensaio recomeça. Sentado em uma cadeira, o diretor artístico Fei Guangsheng, 50, coordena cinco bailarinos que vão "voar" pendurados em um pedaço de tecido. Ele reclama do comprimento do tecido três vezes, até que levanta nervoso e rasga o pano até deixá-lo no tamanho que acha ideal.

Guangsheng é um dos poucos "velhos" do grupo. A maioria tem entre 15 e 17 anos e quase todos entraram para o circo com cinco. Com essa idade, deixaram a casa da família para morar com a trupe, que tem uma rotina pesada de ensaios diários.

O primeiro treino, às 6h30, acontece antes mesmo do café da manhã. Depois praticam as acrobacias por mais três horas, almoçam e estudam. São liberados às 18h e antes das 22h têm de estar dormindo. Vão para casa somente nos fins de semana e têm apenas duas semanas de férias depois de cada turnê.

As tarefas são divididas, tanto na terra natal quanto nas viagens: os menores ajudam na montagem dos cenários, os maiores preparam a comida. E são bem econômicos nos ingredientes: para alimentar a equipe toda durante uma semana em Porto Alegre, eles gastaram somente R$ 450. Compraram 60 kg de arroz, 12 dúzias de ovos, 15 litros de óleo e 20 pacotes de macarrão.

Um dos maiores desafios um dia antes da estréia era montar uma espécie de pirâmide com mais de 20 equilibristas. Um deles era Hua Yong, uma das estrelas da companhia. Ganha um dos salários mais altos da trupe, o equivalente a US$ 250 mensais, ou cerca de R$ 750. Os demais não costumam chegar nem a US$ 200.

Participar de uma das trupes do circo -são mais de cem em toda a China, mantidas pelo governo- é "motivo de orgulho", como conta o líder do grupo, George Kuo, 71. Ele, que mora nos EUA desde 1981 trabalhando com a promoção cultural da China no exterior, é um dos responsáveis pelo formato atual do espetáculo: procurou, nos anos 90, o empresário americano John Regna, que é hoje o único autorizado a negociar os shows do grupo no Ocidente.

Regna fez o que se pode chamar de um verdadeiro negócio da China: conseguiu autorização do governo comunista para registrar a marca Circo Imperial. Sim, a tradição é chinesa, de mais de dois milênios, mas a "patente" é dos Estados Unidos. "É para evitar que algum outro grupo aproveite o sucesso deste, que fez mais de 150 shows no ano passado, e negocie no nosso lugar", explica o americano Dana Blanc, que trabalha para Regna e acompanha a turnê pela América Latina.

Depois de Porto Alegre, o grupo vem para São Paulo, onde faz shows de quinta, 17, a domingo, 20. Daqui vai para o Rio e, de lá, para Argentina e Chile. "Já conheci mais de dez países", conta o equilibrista Hua Yong. Não que faça diferença: nunca dá tempo de circular para conhecer as cidades por onde passa. "Eles estão aqui a trabalho", define o líder George Kuo.

@: bergamo@folhasp.com.br



COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) e LUCRECIA ZAPPI


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