São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2005

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FOTOGRAFIA

Duas exposições sobre a Guerra do Iraque mostram, com enfoques distintos, o lado esquecido do confronto

Nova York se divide sobre o lado sombrio da guerra

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Primeiro, foi a internet. Depois de muita polêmica, os jornais. Agora, mais de dois anos depois do início da Guerra do Iraque, as imagens de soldados norte-americanos feridos e mortos começam a chegar às galerias de arte. Duas exposições fotográficas em Nova York têm a guerra como tema e expõem o lado mais esquecido do confronto, ainda que com enfoques distintos.
Em uma (no nº 521 da 5ª avenida), é possível conhecer o trabalho do fotógrafo Lucian Read, que passou oito meses com fuzileiros navais que participaram da ofensiva de Fallujah, uma das mais sangrentas da guerra. Na outra (na rua 59, número 400), Nina Berman acompanha, desde outubro de 2003, os soldados que voltaram cegos, mutilados e esquecidos do Oriente Médio.
Read se juntou aos marines ainda na Califórnia, antes do embarque, e passou pelo Havaí e pelo Kuait antes de chegar ao Iraque. "Tomei a decisão de ir para um tour completo porque achei que me daria o tempo necessário para construir um relacionamento forte o suficiente para que confiassem em mim e eu pudesse ver e ter acesso a tudo o que estava acontecendo", disse à Folha o fotógrafo, da agência WPN.
Na exposição, as fotos parecem narrar a jornada de oito meses. De um começo com fuzileiros fazendo a barba num porta-aviões, pouco a pouco chega-se a imagens de marines brincando no deserto, para então as fotos mais chocantes de combate. A idéia da exposição surgiu, em parte, pela dificuldade de publicar as fotos na imprensa dos EUA. "Uma coisa é tirar as fotos, conseguir o tempo necessário para tirá-las. Mas é difícil tê-las publicadas", diz Read.
O raciocínio do fotógrafo ecoa uma discussão antiga nos EUA. Apenas há cerca de um ano, depois que os corpos de quatro civis foram mutilados e queimados no Iraque e do mea-culpa sobre a parcialidade na cobertura do pré-guerra, a imprensa começou a publicar imagens mais fortes. Além disso, desde a Guerra do Golfo (1991), a divulgação de imagens da chegada dos caixões é proibida pelo governo.
E foi justamente com base nesse outro enfoque -o que acontece com quem voltou- que Nina Berman decidiu fotografar e relatar as histórias dos feridos no Iraque. O projeto, chamado "Purple Hearts", gerou a exposição e um livro. Coração Púrpura (Purple Heart) é o nome da condecoração dada aos feridos em combate.
"A imagem de um soldado americano ferido é uma peça de evidência que o público americano pode examinar para começar a separar a propaganda -de que a guerra é rápida e sem sangue- da verdade", começa a declaração da artista sobre o projeto. Berman evitou ir a recepções de combatentes, eventos condecorativos. Preferiu o silêncio das casas depois da euforia do retorno.
As imagens mostram jovens de 20 e poucos anos, alguns ainda em hospitais e centros de recuperação, outros em atividades banais. Muitos estão amputados, alguns deformados, outros cegos. A exposição revela o contraste entre suas vidas antes da guerra, em subúrbios pobres de pequenas cidades, e a mudança irreversível provocada pelo confronto.
Além das fotos, Berman entrevistou os soldados. Um deles descreveu, segundo a artista, o Iraque como "a melhor experiência de sua vida". Ele está cego e amputado, mora sozinho, já que o pai está na cadeia e a mãe saiu de casa quando era pequeno.
A chegada da guerra às galerias reabre a discussão sobre se essas imagens deveriam estar em páginas de jornal ou em exposições. "Não considero isso arte, considero jornalismo. Usei muitas das idéias de luz e cor que artistas usam, mas em primeiro lugar acho que minha responsabilidade no meu trabalho é mostrar e informar", afirmou Read.
Para o professor Barry Flood, da New York University, as exposições de fotos de americanos mortos e feridos acabam provocando um sentimento patriótico, o oposto do que algumas pessoas poderiam esperar. Flood evoca uma exposição do ano passado, com as imagens do abuso em Abu Ghraib. "Há vários modos de olhar isso. Um deles é o de trazer à luz coisas que não circulam na mídia, porque há tanto autocentrismo. Um outro pode ser visto como um meio de gerar um sentimento patriótico. Em 2004, havia duas respotas: a dos liberais, que ficavam chocados, e a outra, de pessoas que se sentiam inflamadas por um sentimento de que aquela era uma guerra justa."


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