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FOTOGRAFIA
Duas exposições sobre a Guerra do Iraque mostram, com enfoques distintos, o lado esquecido do confronto
Nova York se divide sobre o lado sombrio da guerra
PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK
Primeiro, foi a internet. Depois
de muita polêmica, os jornais.
Agora, mais de dois anos depois
do início da Guerra do Iraque, as
imagens de soldados norte-americanos feridos e mortos começam a chegar às galerias de arte.
Duas exposições fotográficas em
Nova York têm a guerra como tema e expõem o lado mais esquecido do confronto, ainda que com
enfoques distintos.
Em uma (no nº 521 da 5ª avenida), é possível conhecer o trabalho do fotógrafo Lucian Read, que
passou oito meses com fuzileiros
navais que participaram da ofensiva de Fallujah, uma das mais
sangrentas da guerra. Na outra
(na rua 59, número 400), Nina
Berman acompanha, desde outubro de 2003, os soldados que voltaram cegos, mutilados e esquecidos do Oriente Médio.
Read se juntou aos marines ainda na Califórnia, antes do embarque, e passou pelo Havaí e pelo
Kuait antes de chegar ao Iraque.
"Tomei a decisão de ir para um
tour completo porque achei que
me daria o tempo necessário para
construir um relacionamento forte o suficiente para que confiassem em mim e eu pudesse ver e
ter acesso a tudo o que estava
acontecendo", disse à Folha o fotógrafo, da agência WPN.
Na exposição, as fotos parecem
narrar a jornada de oito meses. De
um começo com fuzileiros fazendo a barba num porta-aviões,
pouco a pouco chega-se a imagens de marines brincando no deserto, para então as fotos mais
chocantes de combate. A idéia da
exposição surgiu, em parte, pela
dificuldade de publicar as fotos na
imprensa dos EUA. "Uma coisa é
tirar as fotos, conseguir o tempo
necessário para tirá-las. Mas é difícil tê-las publicadas", diz Read.
O raciocínio do fotógrafo ecoa
uma discussão antiga nos EUA.
Apenas há cerca de um ano, depois que os corpos de quatro civis
foram mutilados e queimados no
Iraque e do mea-culpa sobre a
parcialidade na cobertura do pré-guerra, a imprensa começou a publicar imagens mais fortes. Além
disso, desde a Guerra do Golfo
(1991), a divulgação de imagens
da chegada dos caixões é proibida
pelo governo.
E foi justamente com base nesse
outro enfoque -o que acontece
com quem voltou- que Nina
Berman decidiu fotografar e relatar as histórias dos feridos no Iraque. O projeto, chamado "Purple
Hearts", gerou a exposição e um
livro. Coração Púrpura (Purple
Heart) é o nome da condecoração
dada aos feridos em combate.
"A imagem de um soldado
americano ferido é uma peça de
evidência que o público americano pode examinar para começar a
separar a propaganda -de que a
guerra é rápida e sem sangue-
da verdade", começa a declaração
da artista sobre o projeto. Berman
evitou ir a recepções de combatentes, eventos condecorativos.
Preferiu o silêncio das casas depois da euforia do retorno.
As imagens mostram jovens de
20 e poucos anos, alguns ainda em
hospitais e centros de recuperação, outros em atividades banais.
Muitos estão amputados, alguns
deformados, outros cegos. A exposição revela o contraste entre
suas vidas antes da guerra, em subúrbios pobres de pequenas cidades, e a mudança irreversível provocada pelo confronto.
Além das fotos, Berman entrevistou os soldados. Um deles descreveu, segundo a artista, o Iraque
como "a melhor experiência de
sua vida". Ele está cego e amputado, mora sozinho, já que o pai está
na cadeia e a mãe saiu de casa
quando era pequeno.
A chegada da guerra às galerias
reabre a discussão sobre se essas
imagens deveriam estar em páginas de jornal ou em exposições.
"Não considero isso arte, considero jornalismo. Usei muitas das
idéias de luz e cor que artistas
usam, mas em primeiro lugar
acho que minha responsabilidade
no meu trabalho é mostrar e informar", afirmou Read.
Para o professor Barry Flood, da
New York University, as exposições de fotos de americanos mortos e feridos acabam provocando
um sentimento patriótico, o
oposto do que algumas pessoas
poderiam esperar. Flood evoca
uma exposição do ano passado,
com as imagens do abuso em Abu
Ghraib. "Há vários modos de
olhar isso. Um deles é o de trazer à
luz coisas que não circulam na
mídia, porque há tanto autocentrismo. Um outro pode ser visto
como um meio de gerar um sentimento patriótico. Em 2004, havia
duas respotas: a dos liberais, que
ficavam chocados, e a outra, de
pessoas que se sentiam inflamadas por um sentimento de que
aquela era uma guerra justa."
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