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"Ministério não tem vocação para irmã Dulce"
Juca Ferreira diz que decisão de comissão em negar patrocínio a Caetano foi erro
Para ministro da Cultura, não é contraditório usar a
lei para beneficiar nomes consagrados em vez de artistas iniciantes
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
"Não sou masoquista para
trabalhar só com artistas malsucedidos. O ministério não
tem vocação para irmã Dulce
ou para Madre Teresa de Calcutá." Com essas palavras o ministro da Cultura, Juca Ferreira, indicou à Folha que irá rever a decisão que proibiu produtores do músico Caetano Veloso de captar patrocínio da Lei
Rouanet para divulgar o novo
CD do artista, "Zii e Zie".
Em reunião em maio, a Comissão Nacional de Incentivo à
Cultura (CNIC) decidiu que o
projeto, no valor de R$ 2 milhões, não precisa da Rouanet
por ser comercialmente viável.
A CNIC é um órgão colegiado que pertence ao Ministério
da Cultura. O ministro pode, a
seu critério, rever as decisões
da comissão. Ferreira negou
ter sofrido pressões da empresária Paula Lavigne, ex-mulher
e empresária de Caetano, para
que a decisão fosse revertida:
"Ela não fez nenhum sauê, apenas ligou para mim e perguntou qual critério tinha sido utilizado para Caetano que ela
não percebia que tinha sido
usado para outras pessoas".
Leia a seguir a entrevista.
FOLHA- O sr. vai rever o veto a Caetano Veloso?
JUCA FERREIRA - A produção de
Caetano entrou com o recurso,
que vai ser analisado pelo ministério. Estou acompanhando.
Evito ao máximo rever decisões da CNIC. Só quando ocorre um erro muito contundente
procuro chamá-los à razão.
FOLHA- Que erro foi esse?
FERREIRA - O que houve é o seguinte. Não é possível aplicar
um critério para um artista e
não aplicar para outro. A lei
atual não tem nenhum critério
que diga que os artistas bem-sucedidos não podem ter seus
projetos aprovados, e nem a
nova deverá ter. No ano passado, quando eu intervim para
aprovar o show da Maria Bethânia [a CNIC também tinha
negado acesso da cantora à
Rouanet], já tínhamos aprovado projetos da Ivete Sangalo,
artista mais bem-sucedida comercialmente em todos os
tempos. Não podemos sair discricionariamente decidindo,
sem critérios legais.
FOLHA - A empresária Paula Lavigne pressionou-lhe para rever a decisão sobre Caetano?
FERREIRA - Ela não fez nenhum
sauê, apenas ligou para mim e
perguntou qual critério tinha
sido utilizado para Caetano que
ela não percebia que tinha sido
usado para outras pessoas. Eu,
da mesma maneira que ela,
também estranhei. Eu e Caetano nem tratamos do assunto.
FOLHA- Sobre o que o senhor conversou com Caetano?
FERREIRA - Falamos de uma série de coisas, menos do projeto.
Eles [Caetano e Paula Lavigne]
têm agido com uma delicadeza
enorme. Eu é que estou mobilizado porque esse assunto surge
neste momento final de discussão para a reforma da Lei Rouanet. Estamos ganhando a opinião pública, trazendo os artistas para uma escala de confiança maior. E não é justo que [a
CNIC] tome essa decisão. Podem estar querendo me atritar
com Caetano. Estão tentando
arregimentar artistas consagrados contra a reforma.
FOLHA - O senhor diz que não há
critério legal para negar o projeto de
Caetano Veloso. Se não existe critério, por que musicais como "Peter
Pan" e "Miss Saigon", e exposições
como "Leonardo da Vinci" e "Corpo
Humano" foram negados?
FERREIRA - Não vou aqui discutir casos.Frequentemente há
erros, eu tenho dito isso. É justamente a falta de critérios que
cria ambiente para julgamentos subjetivos. Um dos objetivos da reforma da lei é adotar
critérios previamente legitimados pela discussão pública.
FOLHA - Não há uma contradição
entre o espírito da reforma da Lei
Rouanet, baseada no uso de dinheiro público para quem precisa, e a decisão de estender a lei a Caetano,
um artista consagrado?
FERREIRA - De modo algum. O
show já está em turnê, cobrando um preço. Seus produtores
se dispuseram a reduzi-lo para
pouco menos da metade se for
incorporado dinheiro público.
Ao que parece, o ingresso cairia
para R$ 40 inteira, e R$ 20
meia. Isso possibilita a ampliação de pessoas na plateia. Atende a uma demanda nossa, a de
que um artista bem-sucedido
amplie seu público. Não é contraditório. Queremos uma política cultural sólida, mas não faremos isso sem os grandes artistas brasileiros.
A única coisa que apontamos
é que, da maneira como a lei é
hoje, os artistas novos, de diversos Estados, não têm acesso
à lei. Não sou masoquista para
trabalhar só com artistas malsucedidos. O ministério não
tem vocação de irmã Dulce
nem de Madre Teresa de Calcutá. Um artista conhecido pode
ter dificuldade de conseguir patrocínio para uma obra experimental, ou pode ser do interesse público abaixar os preços de
um espetáculo popular. Deve-se avaliar economicamente cada projeto, o que hoje a lei sequer prevê.
A discussão não está aí.
FOLHA- Qual é a discussão?
FERREIRA - Mais de 20% dos recursos da lei vazam por meio de
serviços de "garantias", assim,
com aspas, de aprovação de
projetos no Ministério e de
captação em departamentos de
marketing de empresas. A sociedade não aguenta mais negociações por baixo da mesa.
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