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ARTIGO
Ator está com a cara de Artaud
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Jean-Pierre Léaud. Léaud rima com Artaud. Léaud está
com a cara de Antonin Artaud
quando o poeta estava às vésperas
da morte.
"O sexo é sombrio", dizia Artaud. E Jacques Laurent, o pornógrafo do filme, parece achar mais
ou menos a mesma coisa: dirige
seus filmes com a cabeça em outro lugar. No filho, na mulher, na
casa que sonha construir.
Sexo à francesa: tudo mediado
pelo pensamento, pela reflexão.
Jean-Pierre faz um diretor de cinema. Sua ligação com François
Truffaut, que fez dele Antoine
Doinel, seu alter ego em tantos filmes, o credencia ao papel. Papel?
Será essa a palavra? Léaud é uma
espécie de metáfora do cineasta
francês.
Em 1996, ele era René Vidal, o
diretor de "Irma Vep", de Olivier
Assayas. Encarregado de refilmar
um filme mudo de Louis Feuillade, ele primeiro trazia uma atriz
chinesa (Maggie Cheung) para fazer o papel. Ao longo da filmagem, enlouquecia. Percebia que a
Europa era um velho continente,
com a criatividade esgotada. Suas
saídas estavam no Oriente, ou na
desrazão.
Pornografia
Em "Le Pornographe", é um tipo sorumbático, que percebe ter
traído a si mesmo. Percebe mesmo? Ou será que a sociedade lhe
outorga um lugar no qual é forçado a sentir-se culpado? De repente, uma jornalista liga, pedindo
um depoimento sobre a pornografia. Jacques Laurent -esse nome comum, quase um João da Silva- recusa-se a falar: "seria obsceno", diz. No set de filmagem, ele
encontra tempo de ligar para a
mulher só para dizer que tem saudades.
Laurent é o contrário de Miguel
Metralha, o herói de "O Pornógrafo", que João Callegaro fez no
Brasil há mais ou menos 30 anos.
Metralha era o inverso do bandido da Luz Vermelha: supunha-se
o tipo talhado para vencer. Sua
pornografia tipo Carlos Zéfiro é
esmagada pelas multinacionais,
pelas "Playboy" da vida.
Metralha era um espírito para
cima, mas, como o cinema nacional, tinha nos calcanhares a concorrência do filme americano, da
TV. Laurent ainda consegue, como o cinema francês, sobreviver.
Mas há um preço por isso.
No caso de Laurent, é o abandono, o exílio, a distância do filho.
No do cinema francês, o fato de
ter se tornado um cinema quase
sempre local, que mal consegue se
comunicar com povos de fora da
Europa.
LE PORNOGRAPHE - Direção: Bertrand
Bonello. Produção: França/Canadá
(2001). Com: Jean-Pierre Léaud, Jérémie
Rénier e Dominique Blanc.
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