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Livro desvela músico
que enganou a todos
SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO
Narrativas que juntam transexualidade e rock como ingredientes não são acontecimentos raros.
Colocar jazz como peça substituta, vá lá, mas não chega a ser uma
solução original para valer a empreitada. Mas, se a história aconteceu realmente, é o caso de merecer ser contada.
Foi a proposta da poeta escocesa Jackie Kay em sua primeira incursão pelo terreno do romance.
"O Trompete" conta os dias posteriores à morte do músico Joss
Moody e o turbilhão originado
pela descoberta singular de que,
na verdade, sua certidão de nascimento possuía o conservador nome de Josephine Moore.
A história é toda inspirada na
vida do pianista e saxofonista
norte-americano Billy Tipton,
nascido Dorothy Lucille no Estado de Oklahoma. Durante a década de 50, seu trio excursionou
com relativo sucesso pelos Estados Unidos, chegando a gravar
três discos, hoje fora de catálogo.
Ao morrer, em 1989, a vida de
Tipton foi prato cheio para os tablóides do mundo inteiro. A mexeriqueira revista "People" estampou em um título: "Morte revela o estranho segredo de Billy
Tipton: ele era ela".
Jackie Kay, porém, preferiu centrar sua atenção no desenvolvimento psicológico dos personagens à volta de Moody/Tipton e
salpicou-o de elementos poéticos.
Deu voz à companheira do jazzista, confidente exclusiva; ao magoado filho adotivo, com quem já
tinha uma relação conflituosa; e a
pessoas com visões teoricamente
"técnicas", como a médica legista
e o agente funerário.
Segundo a escritora, em entrevista à Folha por telefone, os personagens desempenham o mesmo papel dos músicos em uma
banda de jazz: "Eu me baseei no
gênero como estrutura para a
narrativa. Os "instrumentos" contam uma história, há momentos
em que dialogam e outros em que
há espaço para improvisos".
O gosto pelo estilo veio já desde
criança, com um ambiente familiar cercado por discos de Louis
Armstrong, Bessie Smith, Duke
Ellington, Count Basie, Ella Fitzgerald, entre outros. "Era como se
eles fizessem parte da minha família, porque o papel deles na
música tinha reflexo na minha vida e na de outros negros que cresceram na Escócia."
Filha de pai nigeriano e mãe escocesa, Jackie Kay, 40, nasceu em
Edimburgo e foi adotada por um
casal de comunistas de Glasgow,
que participava de passeatas antiapartheid.
Antes de se dedicar à literatura,
chegou a fazer serviços de limpeza
e trabalhou em um hospital. Hoje
ela vive em Manchester com a
também poeta Carol Ann Duffy e
mais dois filhos.
Múltiplas visões
A idéia de Jackie Kay em dar voz
em primeira pessoa a muitos personagens está relacionada à construção de uma identidade na visão alheia.
"Cada membro de uma família
tem um ponto de vista a respeito
de fatos passados, até da festa de
Natal que presenciou. Identidade
é algo fluido, não estático. No caso
do livro, isso fez a narrativa mudar, e algumas passagens são
mesmo contraditórias", afirma a
autora.
Com Kay se decidindo pela ficção, os detalhes jornalísticos foram deixados para o livro "Suits
me - The Double Life of Billy Tipton", escrito pela professora da
Universidade de Stanford Diane
Wood Middlebrook e lançado no
Reino Unido depois de "O Trompete", no ano de 1998. Sem aparentar pontas de rivalidade, ela
diz ainda não ter lido a biografia.
E se Moody/Tipton tivesse nascido próximo aos dias de hoje?
"Acho que, musicalmente, ele teria ido além do que conquistou,
porque atualmente há mais oportunidades para as mulheres na
música. Hoje elas podem ser médicas ou tocar jazz", diz Kay.
O TROMPETE - autora: Jackie Kay.
Tradutora: Myriam Campello. Editora:
Record. Quanto: R$ 38 (304 págs.).
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