São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2004

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Alemães perdidos numa noite suja

Divulgação/Arno Declair
Cena de "A Vida na Praça Roosevelt", da alemã Dea Loher


Inspirada na praça Roosevelt, em São Paulo, a autora alemã Dea Loher estréia peça no Brasil

MARCOS DÁVILA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No funeral, à beira do caixão da amiga/amante, um transexual finge cantar "Manhã de Carnaval", de Luiz Bonfá e Antônio Maria, movendo os lábios mudos. O que se ouve é o vozeirão da cantora baiana Virgínia Rodrigues. Bem que poderia ser uma cena de Plínio Marcos, mas não é.
É o único trecho em português da peça "Das Leben auf der Praça Roosevelt" ("A Vida na Praça Roosevelt"), da alemã Dea Loher, inspirada no submundo paulistano. O espetáculo estreou no mês passado no Thalia-Theater, em Hamburgo, na Alemanha.
Resultado de uma parceria inédita entre o Thalia-Theater de Hamburgo e o Instituto Goethe de São Paulo, a peça tem três apresentações agendadas para setembro e outubro no Brasil: em Porto Alegre (no festival Porto Alegre em Cena), no Rio de Janeiro (na mostra Rio Cena Contemporânea) e em São Paulo (como parte da programação da 26ª Bienal de São Paulo).
A idéia da dramaturga Dea Loher de escrever sobre São Paulo surgiu de um convite feito pelo também alemão Alfons Hug, curador da Bienal de São Paulo, que neste ano tem o tema "Território Livre" ou, na visão de Loher, "Terra de Ninguém".
Depois de ficar cerca de seis meses morando em São Paulo, no final do ano passado, a dramaturga criou uma peça formada de pequenas histórias -muitas inspiradas em fatos reais (veja texto abaixo)-, como a do filho de um policial que se transforma em traficante de drogas e a de um transexual que vive um romance com uma solitária secretária.
"Fui visitar uma penitenciária feminina, a Febem, uma escola de jovens bailarinos na periferia, o cemitério São Luís, além de teatros, museus, bingos e clubes. Enfim, tentei conhecer uma transversal da sociedade", afirma Dea Loher, em português fluente (a dramaturga já havia morado no Brasil, quando escreveu uma peça sobre a vida da comunista Olga Benario).

O roubo
Loher, no entanto, não havia achado o fio condutor da história e só foi desembocar na praça Roosevelt depois que roubaram seu computador portátil, com todas as suas pesquisas, em seu apartamento em Pinheiros. Foi então que ela foi acolhida por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, fundadores do grupo teatral Os Satyros, que tem sede na praça Roosevelt, e eram seus amigos recentes. Ela recomeçou do zero.
"Descobri a praça com os olhos deles. Eles abriram esse microcosmos para mim como modelo miniatura da sociedade, com as hierarquias e os conflitos. De repente, pareceu quase lógico escrever sobre a praça", afirma.

A tradução
A Folha teve acesso com exclusividade à primeira versão do texto em português (que estará nas legendas da temporada brasileira), feita pela tradutora e dramaturga Christine Röhrig. "O Brasil está exportando miséria humana. É isso o que estamos fornecendo de matéria-prima ao olhar estrangeiro e é isso o que está fazendo o maior sucesso na Europa", afirma Röhrig, que está traduzindo a peça "Telefavela", do alemão René Pollesch, feita a partir de uma vivência em uma ONG da favela Monte Azul, em São Paulo.
Christine Röhrig aproveita a entrevista e lança um desafio a Loher: "Agora eu gostaria de escrever sobre uma praça de Berlim e dar o texto para ela traduzir".
E qual é o maior contraste entre as duas cidades na opinião de Loher? "São Paulo vive uma hiperaceleração dos antagonismos, enquanto a sociedade alemã ainda está num estado bastante homogêneo. Sampa se desenvolve explosivamente em duas direções: o "superhigh-tech" das coberturas com helicópteros e a vida que existe na rua, sem segurança social. Isso é um choque para o europeu que visita a cidade", diz ela, com a intimidade de quem adotou a cidade. Está de mudança para a av. São Luís.

O jornalista Marcos Dávila viajou a convite do Ruhrfestspiele e do Thalia-Theater


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