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O lado obscuro da força
O escritor e ex-baixista do Blondie Gary Lachman revê os anos de paz e amor como resgate do ocultismo
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os Beatles na Índia, Mick Jagger
com o peito tatuado no programa
"Rock'n'Roll Circus", Timothy
Leary usando o "Livro Tibetano
dos Mortos" como base de seu "A
Experiência Psicodélica", Jim
Morrison escolhendo o nome de
seu grupo a partir do livro "As
Portas da Percepção" de Aldous
Huxley, hippies celebrando a natureza coletivamente. Meros
flashbacks dos anos 60? Não é isso
que vê Gary Lachman.
Ex-baixista do grupo Blondie
(quando era conhecido como
Gary Valentine), Lachman revê os
anos de paz e amor com olhos
pouco deslumbrados no livro
"Turn Off Your Mind - The
Mystic Sixties and the Dark Side
of the Age of Aquarius" (Desligue
Sua Mente - Os Místicos Anos 60 e
o Lado Obscuro da Era de Aquário). E remonta a psicodelia dos
anos 60 não como o caleidoscópio
tecnicolor que entrou para a história do pop, mas como um lento
e avassalador resgate do ocultismo, relacionando os hippies com
a nova geração vislumbrada por
Madame Blavatsky no fim do século 19, os Merry Pranksters de
Ken Kesey com a "Viagem ao
Oriente" de Herman Hesse e o
ácido lisérgico com o cogumelo
Amanita muscaria, que seria a religião mais antiga do planeta. Em
entrevista por e-mail, Lachman
falou sobre o assunto de seu livro.
Folha - Como você percebeu a conexão entre a psicodelia e o resgate do ocultismo nos anos 60?
Gary Lachman - Se você observar
a cultura pop dos anos 60, verá
que, por volta de 66 e 67, alguns
elementos daquilo que chamamos de "ocultismo" estavam renascendo. Isso começou em Paris,
em 1960, com o livro "Le Matin
des Magiciens" (A Manhã dos
Mágicos, de Louis Pauwels e Jacques Bergier). Mas logo se espalhou pela Inglaterra e pelos EUA.
Pude perceber isso em lugares como os quadrinhos da Marvel, graças a personagens como o Dr. Estranho. Os próprios X-Men, que
não eram "ocultistas", funcionavam como precursores dos hippies: eram adolescentes mutantes.
Folha - Como você entrou em contato com o ocultismo da época e como isso influenciou o livro?
Lachman - Eu nasci em 55, tinha
nove ou dez anos quando essas
coisas estavam começando. Comecei a perceber isso em filmes,
programas de TV, quadrinhos e
em livros de literatura fantástica
da época. Os livros do Conan começaram a ser republicados em
1966; depois, houve a redescoberta de H.P. Lovecraft. Em 67 e 68, as
pessoas estavam falando em tarô,
terceiro olho, viagens astrais e coisas do tipo. Comecei a me interessar seriamente em 1972, quando
um amigo meu me deu uma cópia
do "Sidarta", do Hermann Hesse.
Folha - Das principais redescobertas mágicas dos anos 60 -como Aleister Crowley, Hermann Hesse e Tolkien-, qual você considera
a mais bem-sucedida de todas?
Lachman - Os livros de Tolkien
começaram a ser republicados
nos anos 50, mas não tiveram um
grande impacto até que uma edição pirata de "O Senhor dos
Anéis" saiu nos EUA. Hesse foi
imensamente popular -praticamente todo mundo que eu conhecia tinha pelo menos um de seus
livros. Crowley era conhecido nos
anos 60, mas não teve um grande
impacto até a década seguinte.
Mas o trabalho de Tolkien é claramente o mais popular de todos,
ainda mais com os filmes e afins.
Folha - Qual popstar dos anos 60
esteve mais envolvido com o desconhecido? Será que até aí os Beatles são o nome mais influente?
Lachman - Os Beatles eram as
pessoas mais famosas do mundo,
mas não estavam tão interessados
em ocultismo como estavam em
misticismo oriental. Os Rolling
Stones estavam muito mais envolvidos com o lado negro, como
os Doors. Os Beach Boys se envolveram com o Charles Manson.
Mais tarde, o Led Zeppelin se associou a Crowley e Tolkien.
Folha - Você descreve o movimento new age como uma evolução natural do interesse dos anos
60 pelo oculto. Como relaciona isso
com o atual interesse pelo assunto
-franquias como "O Senhor dos
Anéis" e "Harry Potter", seriados
como "Buffy" e "Charmed"?
Lachman - As pessoas sempre se
interessaram por "magia", e é
provável que continuem a se interessar. A diferença é que hoje o
ocultismo é um dos muitos estilos
de vida alternativos, enquanto
nos anos 60 era um dos poucos.
Nunca assisti a "Buffy", mas acho
que o interesse pelos livros de Potter, por mais comercial que seja, é
geralmente um bom sinal.
Folha - Você mostra que filmes
como "Matrix" são apenas novos
disfarces para o ocultismo voltar
ao imaginário comum. Fale um
pouco sobre as formas sob as quais
o oculto é vendido atualmente.
Lachman - "Matrix" lida com
idéias gnósticas sobre a natureza
da realidade. Os antigos gnósticos
acreditavam que vivemos em um
mundo "falso", e o objetivo de
práticas ocultistas e espirituais é
escapar deste para um mundo
"real". Todo o jargão de computador é basicamente uma fantasia
de vitrine, para tornar a história
contemporânea. Mas o roteiro
básico é eterno. O objetivo da magia é escapar da grande ilusão.
Folha - No fim do livro, você acena que a Era de Aquário não lida só
com luz do sol e euforia tecnicolor e
que pode ser sombria e doentia.
Lachman - Os elementos sombrios dos anos 60 estão presentes
na filosofia "faça o que quiseres"
retirada de Crowley e na cessão
àquilo que me refiro como "forças
estranhas", que foi alertado por
Hesse. Isso não quer dizer que o
oculto é sombrio e deve ser evitado, mas que a ética liberalista pode facilmente se tornar uma espécie de agressividade fascista. Isso
pode ser encontrado em boa parte
das políticas radicais da época.
"Faça o que quiseres" pode se tornar facilmente "faço o que eu gosto". Não é que algum tipo de conservadorismo seja preferível, mas
muitas pessoas tinham um entendimento superficial das idéias
com que estavam se envolvendo.
TURN OFF YOUR MIND. De Gary
Lachman. Editora: Disinformation.
Quanto: US$ 14 (cerca de R$ 42, 430
págs.), na www.amazon.com.
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