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Crítica/teatro
Diaz coroa processo em "A Gaivota"
Diretor sintetiza trajetória da Companhia dos Atores ao adaptar o clássico texto de Tchecov sobre o choque de gerações
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Gaivota - Tema para
um Conto Curto"
não é uma montagem da Companhia dos Atores.
Apresentada em paralelo com
uma minirretrospectiva do
grupo, mostra-se claramente
como decorrência do método
que Enrique Diaz pesquisa com
seus atores há quase 20 anos.
Ator-diretor, que encabeça
não propriamente criações coletivas, mas espetáculos estruturados pelo processo de criação dos atores, Diaz faz do teatro metalingüístico uma tomada de poder de sua geração, na
síntese entre a pesquisa sólida e
a iconoclastia libertadora.
"Melodrama", de 1995, não
se limitava a um escracho do
gênero. Exigia dos atores uma
técnica apurada que, com nomes como Augusto Madeira,
Drica Moraes e Susana Ribeiro,
foi inesquecível. O cenário escasso foi compensado pela dinâmica requintada da luz, além
do apuro do canto e da dança.
Este museu imaginário de
técnicas de interpretação perdeu o distanciamento histórico
com "Ensaio.Hamlet", de 2004.
A companhia duelou com seus
próprios recursos, em tom de
auto-ironia. Bel Garcia expurgou em um monólogo impagável seu preconceito contra a
adolescência, para "entrar" na
pele-figurino de Ofélia. E, se o
"ser ou não ser" saiu pela tangente da técnica formal, poucas
foram as montagens que expressaram melhor a questão
edipiana de Hamlet.
Se "the play is the thing", como diz Hamlet, no momento
em que faz de uma companhia
de atores a armadilha para a
consciência do rei, a metalinguagem se desdobra em outras
obras-primas, como "Gaivota".
Diaz retoma o tema filtrado
por Tchecov do choque entre
gerações. Bel Garcia, Emílio de
Mello, Felipe Rocha, Gilberto
Gawronski, Mariana Lima e
Isabel Teixeira sobem ao palco,
além dele mesmo. A mãe castradora é a atriz consagrada na
podridão das velhas convenções; o príncipe suicida é um
criador que aspira ao novo e é
condenado assim ao fracasso.
Tempos atrás, Diaz deixou de
dirigir outra "Gaivota" que,
contando com um elenco "all
star", estava perto demais da
disputa de egos entre gerações.
Agora mais maduro e com
um elenco cúmplice, faz da
montagem uma comprovação
definitiva de seu processo de
trabalho. O processo exposto
aqui é aquele que Stanislavski
criou exatamente para dar conta dos desafios desse conto-em-cena de Tchecov: o subtexto, a
memória emotiva e o "se" mágico são somados ao texto original, já que é difícil separar em
textos metalingüísticos os personagens e os intérpretes.
Assim, Treplev é Meierhold,
na montagem inaugural do
Teatro de Arte de Moscou, e é
também toda a companhia, que
se reveza em todos os papéis,
tendo igualmente os estrelismos de Arkadina.
No meio da carreira, com
prestígio e desprezo pela fama,
ironizando seus orgulhos e suas
ingenuidades, a companhia se
faz porta-voz geracional. Se algum dia grandes produtores,
além do Sesc e da Petrobras, pararem de investir em obviedades para resgatar o teatro experimental do turvo lago no qual
se encontra, há de encontrar
companhias como esta, que segura a vida nos dentes como
quem traz uma flor na boca.
GAIVOTA - TEMA PARA UM
CONTO CURTO
Quando: hoje e sáb., às 21h; dom. (último dia), às 18h
Onde: teatro Sesc Pinheiros (r. Paes
Leme, 195, tel. 3095-9400
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
Avaliação: ótimo
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