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Baden Powell, anti-estrela
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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O violonista carioca Baden Powell, 61, que prepara um disco só com sobras do compositor João Pernambuco, durante entrevista num quarto de hotel em São Paulo |
Fora de catálogo no país, violonista-símbolo da bossa nova grava na surdina e faz poucos shows no Brasil
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Enquanto João Gilberto ganha
páginas de revistas de fofoca ao
gravar um novo disco cercado de
mistério, sob produção conturbada de Caetano Veloso, outra das
pedras de força da bossa nova, o
também violonista -e compositor- Baden Powell frequenta os
estúdios de gravação. Em silêncio.
Quase totalmente esquecido no
mercado fonográfico nacional, o
carioca Baden Powell, 61, grava,
por encomenda do Sesc e sem
previsão de lançamento, um álbum todo dedicado à obra do violonista pernambucano João Pernambuco (1883-1947), co-compositor nem sempre creditado do
clássico "Luar do Sertão".
De gravações muito esporádicas no Brasil nesta década, Baden
mantém-se objeto de adoração
em países como França e Japão,
onde, bem diferentemente do
Brasil, toda a sua obra anterior
permanece em catálogo e sempre
há um selo disposto a registrar
qualquer novo trabalho seu.
Vivendo entre o Rio de Janeiro e
o mundo, é mais um (auto) exilado da miséria cultural brasileira.
Músico por excelência e sem perfil de astro pop, Baden mostra-se
também, como não poderia deixar de ser, avesso à mídia. Ainda
assim, falou à Folha e expôs um
pouco de sua personalidade esquiva, de anti-estrela.
Folha - Como era viver no
mundo sem bossa nova, antes
de ela ter aparecido?
Baden Powell - Era ótimo. A
bossa nova foi um movimento
bom, né? Para mim foi uma continuação da vida. Sou músico (silêncio). Estou tentando alcançar o
que você está querendo falar.
Folha - Por exemplo, quem o
influenciou musicalmente, o ensinou a gostar de música?
Baden - Ninguém. Ninguém.
Ninguém. Ninguém ensina isso.
Você aprende é um instrumento,
mas a gostar e fazer, ninguém. Isso é um dom, você nasce com ele.
Ninguém aprende a gostar, a
amar. É coisa do seu coração.
Folha - Não é todo mundo que
aprende, pratica e ajuda a inventar um padrão novo de música, que antes não existia.
Baden - Não, essas invenções...
É uma coisa natural. O que foi
muito bom é que foi um movimento de jovens e foi na mesma
época do movimento dos Beatles.
Tinha uns anos de diferença, mas
era uma mesma geração. Elvis
Presley, a juventude transviada,
foi tudo uma mesma geração.
Folha - Você acompanhava esses movimentos pop?
Baden - Não, mas os jornais davam. Eu não gostava, não. Não era
minha linha. Essa música não tem
conteúdo nenhum, meu filho. Isso é uma música de caubói, se você quer saber. É música caipira
com letra em inglês. Os Beatles foram um pouquinho melhores. O
que trouxe foi que essa geração
não tinha uma música própria,
dela. Tinha bolero, tango, música
mexicana, que era música de
adulto. Os jovens de 8 até 16 anos,
os jovens do topetezinho, não tinham a música deles.
Folha - A bossa nova não era
música de adulto?
Baden - Não. Era de jovem.
Folha - O jovem gostava de
Beatles e bossa nova?
Baden - Ué, o que é que tem?
Não tem nada a ver uma coisa
com a outra. Não. Absolutamente
nada, nada, nada. Não faça confusão de música ruim com música
boa. A música de Carnaval também é porcaria, mas tem sua hora
e sua razão. O jovem dessa época
não ia a boate. Era coisa de velho
que carregava sua amante e só
dançava tango. Quando os moderninhos apareceram, a música
começou a mudar também.
Virou uma coisa mais lírica,
mais de namorado, romântica. E
onde tem jovem tem revolução.
Sem juventude não tem revolução. Se rock é música ruim, isso é
outro departamento. Esse negócio de rock é para criança.
Folha - A revolução da sua geração destituiu Francisco Alves,
Dalva de Oliveira, Orlando Silva.
O que você achava deles?
Baden - Mas você acha que eu
seria um exemplo? Fico assim de
responder, porque sou músico.
Nasci com o dom da música. A
minha opinião pessoal não vai valer, não vai explicar nada. Meu pai
fazia serenata tocando aquelas
coisas do tempo do João Charuto.
Para mim música é lindo, tanto
velha como nova. Era bonito.
Com 10 anos, eu já viajava com
tudo quanto era artista, acompanhando música cubana, italiana,
o que fosse. Já sabia acompanhar
tudo. Com 12 anos, conhecia o
Brasil todo. E estudava violão
clássico. Meus vizinhos eram Pixinguinha, Jacob do Bandolim. Ia
na igreja, o padre contratava Cyro
Monteiro e Dalva de Oliveira,
quem ia acompanhar era eu.
Ao mesmo tempo, eu ligava rádio e escutava Glenn Miller,
Tommy Dorsey. Eu gostava, tinha
intuição musical. Por isso eu não
sirvo de exemplo. Eu não dançava, não suportava baile, nem cantava, nem gostava de troço de música caipira, desde criança.
Iam me buscar na minha casa.
Era menino-prodígio, mas não
me considero nada disso. Não sei
se meu exemplo serve. Não sou eu
que escolho a rua em que vou passar, não. A gente vai pela vida e
aprende a caminhar.
Bossa nova para mim é coisa de
rotina. Apareceram uns jovens aí,
fizeram uma revolução. Vai ter
outra agora, sem querer, dos jovens. É natural. Essa música brasileira que está aí, de fundo de
quintal, não está agradando aos
jovens. Pode agradar uma parte,
mas é muito de mau gosto. De
mau gosto. Não tem mensagem
nenhuma. É ruim. E tudo que é
ruim é maioria. Sempre foi assim.
A maioria do Brasil é subdesenvolvida, você não pode fazer nada, tem que esperar.
Folha - Nesse sentido, então, a
bossa nova nunca dominou?
Baden - Não. Dominou os jovens que são abertos. Aqueles que
não são não têm bala na agulha
para competir. Se deixa na mão
deles, eles não fazem nada. A
chance foi dada, está aí, o fundo
de quintal. Não fizeram nada. Estão fazendo música de porcaria.
Eles não têm capacidade, não têm
intelecto, estão muito aquém. A
bossa nova nasceu lá na zona sul
do Rio, intelectualmente...
Folha - Entre pessoas que não
eram pobres...
Baden - Não sei se a pobreza
tem algo a ver. Não deve misturar.
É coisa de intelecto. Eram mais
abertos. Esses daqui não têm nem
violão nem compõem nada. Vai
ser uma coisinha, mas não tem
conteúdo nenhum. É feito sorvete, se botou no sol derrete e não
sobra nada. Se por acaso você desligar, eles somem e daqui a duas
semanas você não lembra nem o
nome. Não deixa saudade nenhuma, porque não tem valor. É o que
chamo de falso valor. Porque tem
uma garotada que tem valor.
Folha - Quem?
Baden - Vários. Os fãs que vão
me visitar, garotos que compõem
e tocam, sabem ler música, tocam
instrumento, estudam, têm método de música. Só não têm é chance em TVs, em gravadoras. O pagode tem uma grande chance. Já
pensou se fossem inteligentes, o
que não iam fazer?
Folha - O momento político do
país interfere nisso, não?
Baden - Não, são mais as televisões. Eles cortam a cultura propositalmente. As multinacionais, essa cultura de pagode.
Folha - O governo?
Baden - Não, o governo não
tem nada a ver.
Folha - Ele não tem responsabilidade pela educação?
Baden - É, mas não sei se isso é
um negócio proposital. O que toca na rádio, que vende, de gravadora, de editora, não está na mão
deles. Por exemplo: não existe um
disco meu na praça. Tenho mais
de 25 discos na PolyGram (hoje
Universal). Não existe um na praça, quero até mover um processo.
Fui lá, perguntei por que lançam lá fora e não aqui. Não souberam responder. É proposital.
Eles querem manter esses países
feito o Brasil lá embaixo. Me considero numa ponte que vai ligar a
música popular à erudita. Esses
eles cortam.
Folha - Você teve problemas
políticos no regime militar?
Baden - Eu, não! Nunca tive
problema político nenhum. Nunca me meti. Só por trás. Nunca fui
de direita, sempre fui um cara de
esquerda. (Pega o violão, a pedido
da fotógrafa.)
Folha - Um violão é diferente
dos outros ou são todos iguais?
Baden - Claro que é diferente,
rapaz (dá risada)! Mas é mais ou
menos igual. A medida do braço,
o som, o timbre são mais ou menos iguais. Não pode ser muito diferente. Um é mais doce e tal... Esse que estou usando agora é de
um músico da Argentina que virou carpinteiro de instrumentos.
Cortou a árvore e tudo, disse que
fez pensando em mim esse violão.
Peguei o violão, toquei e não
achei lá essas coisas, não. Agradeci o violão. Mas um dia, quando
cheguei em casa, comecei a estudar nele um pouquinho e fiquei
enamorado do instrumento. Aí
começou a responder ao som que
eu gostaria. Aí ficou, até hoje. Violão tem essas histórias.
Folha - Você se considera um
músico erudito ou popular?
Baden - Isso é um negócio interessante. Eu acho que minha música vai mais para o erudito-popular. Erudito quer dizer sábio.
Não é aquele erudito que não é
popular, o erudito impopular,
mas sim a composição difícil,
com temas difíceis, o erudito-popular. Não chega a ser aquele clássico que você não entende nada.
Mas todo clássico pode vir a ser
popular, e todo popular pode vir a
ser clássico. Há certos choros que
são difíceis, parecem música erudita. Os choros de Villa-Lobos...
Eu mesmo tenho algumas composições de choro erudito. Não é
algo de que o povo participe.
Folha - Se considera sambista?
Baden - Sambista eu sou, porque tenho uma noção de ritmo
muito grande. Está no meu sangue. Quando eu era criança, no
bairro em que fui criado, São
Cristóvão, batia um tamborim arretado, nos blocos de rua. Tenho
ritmo na mão para tamborim,
surdo, desde pequeno. Acho que
transferi isso para a minha batida
de samba no violão. Eu realmente
não danço, olha que engraçado.
Mas tenho um ritmo por dentro
fora do comum. Então sou sambista. Inclusive quando componho samba, é samba-samba.
Samba com cara de samba, "quaquaraquaquá, quem riu/ quaquaraquaquá, fui eu", sambão. Isso
eu tenho.
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