São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2001

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Baú de ex-mulher revela O POETA JORGE AMADO


Folha localiza no Rio um livro de versos escrito a mão que o autor dedicou, em 1933, a Matilde Garcia Rosa, com quem foi casado por 11 anos


CYNARA MENEZES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Uma parte da biografia do escritor baiano Jorge Amado, morto há uma semana aos 88 anos, não ficou nem na casa do Rio Vermelho, onde morou com Zélia Gattai por mais de 30 anos, nem na fundação que leva o seu nome, em Salvador.
A Folha localizou no Rio os familiares de Matilde Garcia Rosa, a primeira mulher do escritor, morta em 1986, e descobriu uma relíquia: um livro de versos escrito à mão por Amado em homenagem àquela que se tornaria mãe de sua primeira filha, Lila. Com Zélia, o escritor teria outros dois filhos, João Jorge e Paloma.
Mais do que o valor estritamente literário dos poemas de juventude, porém, a descoberta do livro tem a virtude de lançar alguma luz sobre um período desconhecido da vida do escritor: os 11 anos -entre 1933 e 1944- em que esteve casado com Matilde.
Nos pertences da primeira mulher de Amado também aparecem fotos da filha do casal, nascida em 1935 e que recebeu o nome da mãe do escritor, Eulália. Lila, como era chamada, morreu aos 15 anos -segundo a família, vítima de leucemia.
Jorge e Matilde se conheceram bem jovens. Ele tinha 21 anos, ela, 17. "Minha avó contava que eles tiveram de fugir para se casar, porque meu avô era contra", conta o sobrinho de Matilde, Osiris Garcia Rosa, que herdou a casa na Urca, zona sul do Rio, onde morou o casal, e, junto com ela, alguns documentos, fotos e o livro.
Osiris nasceu na casa de quatro quartos onde moravam Jorge, Matilde, os pais e a irmã dela, Ivone, com o marido (pais de Osiris). Em uma das poucas menções que faz à primeira mulher em suas memórias, no livro "Navegação de Cabotagem", Jorge Amado conta que a casa da Urca também serviu algumas vezes de refúgio para os amigos comunistas.
Sobre a filha, diz apenas: "Mal a conheci, não houve tempo e ocasião". Quando Lila nasceu, os avós dela construíram para a família Amado uma casinha nos fundos da propriedade.
Muita coisa se perdeu das lembranças de Matilde, mas foi preservado o manuscrito intitulado "Cancioneiro", com pequenos poemas que Amado dedicou à então pretendente. São poemas juvenis e apaixonados, divididos em 14 capítulos e com os textos escritos sempre ao pé das páginas, em caligrafia caprichada.
A sensualidade característica no escritor já está presente nas declarações de amor que Amado, então com 21 anos, faz a Matilde: "Vejo os teus seios pequenos de menina", escreve. Ou: "Eu gosto de ti por interesse /para possuir o dote do teu corpo".
Sedutor, mostra saber também ser romântico: "O teu beijo purifica os meus lábios", diz, no capítulo intitulado "Purificação". Em "Poesia", escreve: "A poesia vem de ti". No final, chama: "Companheira: Vem/ eu te amo".
Não foi um livro feito para posterior publicação. Nas primeiras páginas, Jorge Amado escreve que é uma edição "de um único exemplar manuscrito", que dedica a Matilde Garcia Rosa. À guisa de esclarecimento, diz também que havia sido feito para ser lido "unicamente" por ela, "em honra de um grande e puro amor".
Durante o tempo em que estiveram juntos, Amado publicou alguns romances importantes, como "Cacau" (1933), "Jubiabá" (1935), "Mar Morto" (1936) e "Capitães da Areia" (1937). A fase mais politizada se intensificaria depois da separação, já com Zélia.
Matilde não se casou novamente, e, após a morte da filha do casal, só voltou a ter algum contato com o escritor em 1978, durante o processo de divórcio que possibilitou a Jorge e Zélia oficializarem sua união. Na época, chegou a dar uma entrevista ao extinto jornal "Última Hora", na qual mostrava certo ressentimento em relação à separação, mas tudo acabou sendo feito amigavelmente.
Na entrevista, a mãe dela, Dalila, criticava Jorge Amado porque não teria comparecido ao enterro da filha. A menina morreu em 1950, dois anos depois de Amado, eleito deputado federal pelo PCB, ser cassado e ter ido viver na Europa, primeiro na França e depois na então Tchecoslováquia.
A família de Matilde diz que não pretende doar o manuscrito ou os outros documentos para a Fundação Casa de Jorge Amado, que reúne a maioria dos originais do escritor. Mas não descarta que a relíquia se torne atração de um futuro leilão, a exemplo do que vem acontecendo com manuscritos deixados por autores famosos.



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