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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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Multidão instantânea


Megaencontros organizados por internet chegam a SP e suscitam a questão sobre se são arte, política ou diversão


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Av. Paulista x r. Augusta, hoje, às 12h40. Se a profecia se cumprir, dezenas de pessoas, das mais diferentes idades, atravessam a pista, tiram um dos pés do sapato e batem-no contra o solo. Trinta segundos depois, a cidade recupera o seu fluxo normal.
Bem-vindo ao primeiro "flash mob" de São Paulo, nova mania que invadiu a internet nas últimas semanas, tomou conta das ruas de Nova York, Londres, Toronto, Roma e Berlim e vem atraindo adeptos no mundo todo com a velocidade de um clique de mouse.
Arte performática, manifestação política ou simplesmente uma nova modalidade de contornar o tédio dos grandes centros urbanos, os "flash mobs" (algo como mobilizações ou multidões instantâneas) começaram a acontecer no final de junho deste ano, quando cerca de uma centena de internautas de Nova York entraram em uma loja de departamentos para escolher um tapete: moramos juntos e procuramos algo para o nosso loft no Queens, disseram ao vendedor estarrecido.
A idéia é simples: com um computador ligado à internet ou um telefone celular, os participantes espalham dia, local e hora do encontro. Lá, de acordo com o script recém-divulgado, a multidão apronta uma bizarrice qualquer.
Entrar no saguão de um hotel luxuoso e bater palmas durante 15 segundos; gritar contra um dinossauro de brinquedo em uma famosa cadeia de lojas infantis na Times Square; imitar sons de animais no Central Park; realizar dezenas de solicitações simultâneas de um livro que não existe; ou simplesmente entrar numa loja e comer uma banana. Tudo isso é também "flash mob".
Convocada nas últimas horas por um grupo que se autodenomina Arac (Arte Contemporânea), a versão brasileira do encontro inusitado, meio happening dadaísta, meio teatro situacionista, meio arte postal, deverá ser filmada e exibida no Internet 13:85, o antigo Internet Augusta Point (r. Augusta, 1.385).
"Para nós, do Grupo Arac, trata-se justamente de fazer algo artisticamente não justificável, aparentemente inútil, como talvez a própria arte em si", escreve alguém que se identifica como Eli no e-mail convocatório. "Para o "flash mob" paulistano escolhemos uma ação discreta, que passaria despercebida, se praticada apenas por uma ou outra pessoa, reafirmando o cunho coletivo do ato."
Talvez sem saber deste, outro "primeiro flash mob" está sendo prometido para domingo, às 16h, na altura do número 900 da mesma Paulista. Lançada no último sábado em uma lista de discussões do Yahoo e no site http://www.flashmob.blogger.com.br/index.html, a idéia já tinha mais de 160 adeptos até o final da noite de segunda-feira.
"Isso tudo é parte do processo de desmaterialização que a arte vem sofrendo desde os anos 50, com o happening, a performance, a "body art'", comenta Walter Zanini, 78, pesquisador da Universidade de São Paulo. "A arte postal do grupo Fluxus está agora na internet, trazendo bons ou maus resultados. Isso sempre vai ser discutido. O Fluxus tem seus detratores até hoje."
Assim como os artistas das décadas passadas queriam fugir das galerias e dos críticos de arte, as mensagens trocadas entre os adeptos do "flash mob" também apontam para a polêmica: despertar ou não a "atenção da mídia".
Motivo de destaque do jornal "The New York Times" em reportagem recente, os "flash mobs" correm, sim, o risco de perder o elemento surpresa, um de seus principais componentes, e tornar-se também apenas mais um "espetáculo" da sociedade capitalista, como criticavam ainda nos anos 60 os situacionistas Guy Debord e Raoul Vaneigem.
Mas, diante da criatividade de alguns praticantes da nova forma de arte/crítica, a sede dos "paparazzi" só torna o jogo mais divertido. "Estamos nos aproximando de um momento em que mandar um aviso de "flash mob" de última hora vai disparar uma multidão de mais câmeras e repórteres do que todo o resto? Se sim, poderia ser bem divertido por si só. Aproveitem, gente; isso não vai durar", debocha o autor do blog cheese bikini.com, uma das principais e mais completas fontes sobre o assunto na rede.
Em outro caso curioso, em Londres, o dono de uma loja de sofás que havia ido tomar seu "pint" no pub na esquina resolveu voltar e abrir as portas de seu estabelecimento quando soube da multidão que se formara -e das câmeras de televisão que souberam do ato e correram para registrá-lo.
Assim, já há atualmente quem fale em "antimob". A molecagem da vez seria justamente o contrário: esvaziar um local normalmente ultramovimentado e transformá-lo, durante alguns minutos, em uma espécie de cidade fantasma. Coisas da globalização.


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