São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2005

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MEMÓRIA/"UM DIÁRIO IMPERIAL"

Princesa Leopoldina, gulosa e irreverente

ANA MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Deixe os outros guerrearem, você, Áustria feliz, deve se casar." Com essa sentença, a imperatriz austríaca, Maria Teresa de Habsburgo, instituiu no fim do século 18 uma política de casamentos estrategicamente combinados para o fortalecimento das monarquias.
Seus descendentes casaram-se com membros de casas nobres européias, sendo os mais famosos conluios o de Maria Antonieta com o príncipe de Bourbon e o de Maria Luíza com Napoleão Bonaparte. Confirmando o ideal universalista do Congresso de Viena, a mão da princesa Leopoldina foi dada a Pedro 1º, aquele casamento infeliz que tanto conhecemos. Nossa primeira imperatriz era desprezada pelo marido, que viveu enfeitiçado por sua concubina, a marquesa de Santos.
Leopoldina teria escrito um diário secreto, que começa em dezembro de 1814, quando tinha 17 anos. Ali ela anotou seu cotidiano, sonhos, preocupações com o casamento, escondendo as páginas dentro da almofada de rezar.
Tudo se passa ainda no gelado e austero reino da Áustria, entre rígidas normas de protocolo. Numa época em que as princesas aprendiam apenas boas maneiras, bordado e piano, Leopoldina teve uma educação esmerada. Adquiriu conhecimentos científicos, políticos, históricos e artísticos, além de dominar idiomas. Tinha predileção por pedras, chegando a pedir ao pai para trabalhar na Sala Real de Exposições de Mineralogia.
O diário nos mostra detalhes pitorescos, como sua gulodice por doces, sua irreverência diante das normas, conflitos com as condessas governantas, sua relação com o audacioso pintor Thomas Ender, festas, passeios à casa de campo, o cuidado com os vestidos, conversas com a jovem costureira, as meias de lã que pinicavam, ciúmes entre irmãos, travessuras, como numa família de plebeus.
A observação mais sublime é quando, às vésperas da partida, Leopoldina vê as irmãs retirarem de seu armário suas roupas de inverno. É um mundo que se encerra. O diário termina no Brasil, em novembro de 1817, antes da primeira noite de núpcias.
Esse diário é agora publicado e, na quarta capa, vem escrito que "quase dois séculos depois, esse material apaixonante chega aos leitores brasileiros, graças à pesquisa feita em documentos encontrados em Viena e Washington por Gloria Kaiser".
Tudo faz crer que o diário foi escrito pela princesa. Mas o diário parece ser ficcional, uma novela, provavelmente concebida a partir de anotações e cartas de Leopoldina, que foi uma missivista assídua. O indício da ficcionalidade está na apresentação dos personagens, quando é citada "Rosi, a lavadeira e costureira, uma relação fictícia", presença constante nas páginas da obra.
A autora austríaca, Gloria Kaiser, publicou em 1994 um romance histórico que contempla o período em que Leopoldina viveu no Brasil. Tem um evidente amor pela princesa e consegue recriar sua singela dicção. É que Gloria Kaiser conhece bem o Brasil, pois passa parte de seu tempo em Graz, na Áustria, e parte em Salvador, na Bahia.


Ana Miranda é escritora, autora de "Desmundo" (Companhia das Letras) e "Prece a uma Aldeia Perdida" (Record)

Um Diário Imperial - Leopoldina, Princesa da Áustria, Imperatriz do Brasil
   
Autor: Gloria Kaiser
Tradução: Anna Olga de Barros Barreto
Editora: Reler
Quanto: R$ 31,50 (104 págs.)


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