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MEMÓRIA/"UM DIÁRIO IMPERIAL"
Princesa Leopoldina, gulosa e irreverente
ANA MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Deixe os outros guerrearem, você, Áustria feliz,
deve se casar." Com essa sentença, a imperatriz austríaca, Maria
Teresa de Habsburgo, instituiu no
fim do século 18 uma política de
casamentos estrategicamente
combinados para o fortalecimento das monarquias.
Seus descendentes casaram-se
com membros de casas nobres
européias, sendo os mais famosos
conluios o de Maria Antonieta
com o príncipe de Bourbon e o de
Maria Luíza com Napoleão Bonaparte. Confirmando o ideal universalista do Congresso de Viena,
a mão da princesa Leopoldina foi
dada a Pedro 1º, aquele casamento infeliz que tanto conhecemos.
Nossa primeira imperatriz era
desprezada pelo marido, que viveu enfeitiçado por sua concubina, a marquesa de Santos.
Leopoldina teria escrito um diário secreto, que começa em dezembro de 1814, quando tinha 17
anos. Ali ela anotou seu cotidiano,
sonhos, preocupações com o casamento, escondendo as páginas
dentro da almofada de rezar.
Tudo se passa ainda no gelado e
austero reino da Áustria, entre rígidas normas de protocolo. Numa época em que as princesas
aprendiam apenas boas maneiras, bordado e piano, Leopoldina
teve uma educação esmerada.
Adquiriu conhecimentos científicos, políticos, históricos e artísticos, além de dominar idiomas. Tinha predileção por pedras, chegando a pedir ao pai para trabalhar na Sala Real de Exposições de
Mineralogia.
O diário nos mostra detalhes pitorescos, como sua gulodice por
doces, sua irreverência diante das
normas, conflitos com as condessas governantas, sua relação com
o audacioso pintor Thomas Ender, festas, passeios à casa de campo, o cuidado com os vestidos,
conversas com a jovem costureira, as meias de lã que pinicavam,
ciúmes entre irmãos, travessuras,
como numa família de plebeus.
A observação mais sublime é
quando, às vésperas da partida,
Leopoldina vê as irmãs retirarem
de seu armário suas roupas de inverno. É um mundo que se encerra. O diário termina no Brasil, em
novembro de 1817, antes da primeira noite de núpcias.
Esse diário é agora publicado e,
na quarta capa, vem escrito que
"quase dois séculos depois, esse
material apaixonante chega aos
leitores brasileiros, graças à pesquisa feita em documentos encontrados em Viena e Washington por Gloria Kaiser".
Tudo faz crer que o diário foi escrito pela princesa. Mas o diário
parece ser ficcional, uma novela,
provavelmente concebida a partir
de anotações e cartas de Leopoldina, que foi uma missivista assídua. O indício da ficcionalidade
está na apresentação dos personagens, quando é citada "Rosi, a lavadeira e costureira, uma relação
fictícia", presença constante nas
páginas da obra.
A autora austríaca, Gloria Kaiser, publicou em 1994 um romance histórico que contempla o período em que Leopoldina viveu
no Brasil. Tem um evidente amor
pela princesa e consegue recriar
sua singela dicção. É que Gloria
Kaiser conhece bem o Brasil, pois
passa parte de seu tempo em
Graz, na Áustria, e parte em Salvador, na Bahia.
Ana Miranda é escritora, autora de
"Desmundo" (Companhia das Letras) e
"Prece a uma Aldeia Perdida" (Record)
Um Diário Imperial -
Leopoldina, Princesa da Áustria,
Imperatriz do Brasil
Autor: Gloria Kaiser
Tradução: Anna Olga de Barros Barreto
Editora: Reler
Quanto: R$ 31,50 (104 págs.)
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