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Mônica Bergamo
@ - bergamo@folhasp.com.br
Flávio Florido/Folha Imagem
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O ator José Wilker (à esq) e Cacá Diegues no apartamento do diretor, na Gávea, no Rio, que fica colado à favela da Rocinha |
Patrulhas amorosas
Um papo aberto com o diretor Cacá Diegues e com o ator José Wilker sobre celebridades, elite brasileira, cinema, amor à vida e a barbaridade da morte
Em setembro, eles chegam às
telas de cinemas com o longa
"O Maior Amor do Mundo" - o
sexto filme em que Cacá Diegues dirige José Wilker, com
quem já trabalhou em "Bye Bye
Brasil", "Xica da Silva" e "Dias
Melhores Virão", entre outros.
Os dois receberam a coluna na
casa de Cacá, que fica na Gávea,
colada à favela da Rocinha, no
Rio. Falaram da "aflição e insegurança" de lançar o novo trabalho, de eleições, de cinema, de esperança -e da falta dela.
Abaixo, trechos da conversa:
FOLHA - Cacá, esse é o 16º filme de
sua carreira, e seu, Wilker...
WILKER - Eu já trabalhei em
cinqüenta e poucos, 56, uma
coisa assim. Mas tem filme que
eu nego que fiz.
FOLHA - Qual?
WILKER - Se eu nego... (rindo)
Mas eu não posso mais negar
porque de vez em quando passa
no Canal Brasil.
CACÁ - É um perigo. Em cinema às vezes a gente se "esquece" de um filme [que fez], né? E
o Canal Brasil nos faz lembrar.
FOLHA - Que filme você vê hoje e
gostaria de "esquecer"?
CACÁ - Eu não vejo muito os
meus filmes, não. Procuro me
desvincular para ter uma alma
leve para fazer o próximo. Eu
faço meus filmes com a mesma
euforia de um primeiro e a
mesma urgência de um último
filme.
FOLHA - E quando chega a hora do
lançamento...
CACÁ - Fico cada vez mais aflito. Quando você é jovem, se
acha um Deus. Então quem não
gosta do seu filme é um imbecil.
Imagine! É uma besta. Mas você vai ficando mais velho, vai
compreendendo que não é
Deus...
FOLHA - ...e que o imbecil pode ser
você...
CACÁ - (Rindo) .. e que é capaz
até de os outros terem razão. A
insegurança aumenta.
WILKER - Eu tenho pânico. Eu
tenho a sensação de ser... inadequado. Eu não acho que seja
adequado para coisa nenhuma.
Quando eu fui fazer "Os Inconfidentes" com o Joaquim Pedro
[de Andrade, diretor do filme],
eu disse: "Joaquim, você é louco. Eu não me pareço com o Tiradentes." E ele falou: "Não, cara. O Tiradentes era um jovem
homem zangado". Aí eu me entreguei totalmente. No meio do
filme o Joaquim descobriu que
o Tiradentes não era loiro.
A gente comprou uma tinta numa farmácia em Ouro Preto e
ficamos numa pia de hotel pintando o cabelo. Pintamos tão
bem que eu fazia assim [mexe a
cabeça] e o cabelo caía todo. Tiradentes foi loiro até a metade
do filme, depois ficou moreno.
O FILME
CACÁ - Quando eu fiz "Bye Bye
Brasil", metade dos críticos diziam que o filme era sobre uma
civilização que terminava; a
outra, que era sobre um país
que começava. E as duas coisas
eram verdadeiras. Então a ilusão de que você controla o resultado do seu filme eu já perdi
há muito tempo. "O Maior
Amor do Mundo" é o que estiver na cabeça de cada pessoa
que for ver o filme. A idéia foi
fazer um filme sobre um astrofísico bem sucedido, rico, mas
solitário, que passou a vida tentando entender os mecanismos
de controle do universo e abdicou da vida que estava ao lado
dele. De repente ele redescobre
as emoções, os sentimentos.
Minha filha, Flora, disse [sobre
o filme] que o maior amor do
mundo é o amor à vida.
WILKER - As minhas filhas [de
26 e 19 anos] começaram a
acompanhar a minha carreira
muito recentemente. A gente
até fez uma retrospectiva em
casa de filmes que eu fiz. Depois de "O Maior Amor do
Mundo", elas me disseram que
passaram a me ver de uma forma diferente. Elas não sabiam
que eu era desse tamanho. Eu
fiquei entre orgulhoso e assustado. Porque você tem que responder ao tamanho, né?
A MORTE
FOLHA - A morte está muito presente no filme. O personagem principal tem câncer e vai morrer.
CACÁ - Eu sou totalmente contra a morte (risos). Eu sou um
inimigo mortal da morte. Uma
das cenas mais lindas da história do cinema é a de "Gritos e
Sussurros", do Bergman. Uma
mulher está com câncer, grita
de dor, suas irmãs brigam, é um
inferno. No fim, ela está no
quintal da casa, as duas irmãs
estão correndo, felizes como há
muito não se via. Ela pensa:
"Não sinto dores, minhas irmãs
brincam. Eu talvez tenha vivido
a vida toda para viver esse minuto de felicidade". Mais importante que o conjunto da
obra, na vida, é o instante que a
gente vive.
WILKER - Nunca tinha pensado
[na morte], até que li "Todos os
Homens São Mortais", da Simone de Beauvoir. O conde
Fosca vira eterno e é um desespero: os amores que ele tem
acaba, e ele continua. De repente me dei conta de que existem
coisas que dão sentido à vida. E
que a sua eternidade é isso. É
lindo. Um amigo me disse: "Você já fez um monte de filme, cara. Tem a eternidade garantida". Tô apostando nisso aí.
FOLHA - O que é autobiográfico em
"O Maior Amor do Mundo"?
CACÁ - O filme fala de situações
geracionais. Aproveitando, tenho a declarar o seguinte: eu
detesto o filme "Invasões Bárbaras". Eu odeio. É um filme
que renega todas as utopias que
as pessoas viveram ao longo do
tempo. E também aquela coisa
do ritual sacralizado da morte...
a morte é uma coisa selvagem,
terrível, inadmissível, que só
pode ser vivida com sofrimento, e não com aquela teatralidade superior. Nosso filme também trata de um homem que
vai morrer, só que é exatamente o oposto.
O BRASIL
WILKER - Eu acho que o Brasil
deu certo sim. Eu dei certo. Eu
sou honesto, vivo do meu trabalho. Eu não vejo o Brasil pelas figuras notáveis da política
que tentam entortá-lo. O Brasil
passa por um momento auspicioso. De repente, o Paulo Maluf foi preso. O que se apresenta
como perspectiva é muito melhor do que há 30 anos.
CACÁ - É claro que a gente sonhou com um Brasil que não é
esse que "tá" aí, um Brasil que
não aconteceu. A gente acreditava que a história era um trem
num trilho que andava numa
determinada direção. E não
era. A história é uma senhora
bêbada tropeçando por aí.
Eu me angustio muito com as
perspectivas. A miséria no Brasil assombra.
A ELITE
CACÁ - Outro dia eu tive uma
discussão com uma pessoa
muito conhecida dessa área da
"elite branca", que falou: "Mas
vocês só fazem filme sobre favela, sobre violência." A elite
não gosta de ver o Brasil na tela,
não gosta de se ver na tela. A
classe média, que tem uma cultura de shopping center, também. Têm vergonha de si mesmas, porque o padrão delas está
em Miami, a base cultural está
em Orlando. Mas o povo brasileiro gosta. A novela descobriu
isso. E, quando o filme nacional
passa na TV, ele tem um resultado igual à produção normal
da TV Globo. "O Homem Que
Copiava" fez 41 pontos. (...) Eu
acho que a televisão brasileira,
de certo modo, está ajudando a
conhecer o Brasil.
WILKER - Quando a gente fez
Bye Bye Brasil, eu saí das filmagens com uma impressão esquisita: eu achava que esse país
não resistiria muito tempo um
só. Que se dividiria em uns três
ou quatro países. Eu achava que
não juntava o sul com o norte,
com o nordeste, o centro-oeste.
A tendência era que a gente se
separasse. [Rindo] Meu ideal
seria separar a Barra [da Tijuca], mas tudo bem.
CACÁ - A Barra poderia virar
um Liechtenstein.
WILKER - É, tem que ter passaporte para entrar. Mas aí, de repente, por conta do filme, eu
descobri que, no ruim e no
bom, a TV integrou o país. Ela
exibiu o pior e o melhor de tudo
e integrou esse país.
FOLHA - Os abismos sociais não
acabaram mantendo a existência de
pelo menos dois "países"?
WILKER - É um país só sim.
[pausa] A gente está chegando
lá. Finalmente temos um Al Capone.
CACÁ - No Rio é muito mais
clara essa idéia de país que é um
só, mas separado. Outro dia eu
estava voltando da praia, e vi
dois menininhos, dois pretinhos de 14 anos, no máximo. E
uma senhora branca, do Leblon, com seu filho branco. O
menino literalmente pulou no
colo dela e falou "mãe, olha lá
dois pretos". É um clima de pânico em relação à pobreza.
ELEIÇÕES
WILKER - Atualmente eu sou
uma pessoa com uma posição
muito clara: eu sou de centro
com tendência à esquerda conservadora. [risos]
FOLHA - E as eleições?
CACÁ - Eu não tenho vontade
de votar em nenhum dos candidatos. Nenhum. Mas eu não
vou votar em branco, porque é
covardia. Essa questão da corrupção foi uma decepção muito
grande com o governo atual.
Mas quero deixar claro que esse preconceito, esse ódio social
em relação ao Lula é inaceitável
e que não compactuo com isso.
É mais uma faceta do conservadorismo da elite brasileira.
WILKER - Já li em algum manual ufanista sobre a importância desse maravilhoso espetáculo da democracia. Mas eu não
tenho mais a menor paciência
para essa inflação de oradores
de batizado que invadem a nossa vida nesse período [eleitoral], com um discurso tão profundo quanto um pires.
FOLHA - Mas você mantém o voto
no presidente Lula?
WILKER - Sim.
CINEMA NACIONAL
WILKER - A gente está muito
condicionado com essa coisa de
números, quantos espectadores viram cada filme, 100 mil,
200 mil. Não é por aí. Tem filmes que, com dez espectadores, cumpriram inteiramente
seu papel (...) Qualquer política
de alteração da nossa realidade
passa por uma instalação de
mais cinemas no Brasil. A gente
inflacionou os shoppings de sala de cinema. Nos últimos anos,
o Rio fechou 172 salas de cinema na periferia. E abriu uma.
Por outro lado, nunca se viu
tanto filme no Brasil quanto
hoje, por outros canais que o cinema encontrou para chegar
até o público.
CACÁ - Hoje os filmes estão em
DVD, canal aberto, fechado. A
sala de cinema não é mais a única maneira de passar os filmes.
CELEBRIDADES
FOLHA - Wilker, gostaria que você
falasse mais do seu projeto de criar o
curso "De ator a modelo", como disse antes de a entrevista começar.
WILKER - [Gargalhadas]
CACÁ - [Rindo] Se f., Wilker!
WILKER - Não vou fazer esse
curso, não. Mas ele é apropriado para o momento atual. Existem atores e desinibidos. E nessa coisa do mercado, de carência de gente nova, se tem investido muito nos desinibidos em
detrimento dos atores. As pessoas acham que um ator é uma
coisa que acontece assim, né
[estala os dedos]? Porque a
criança imita os outros, é a gracinha da família, vai lá e faz
dancinha na boca da garrafa, as
pessoas confundem isso com
"acting", com representar. No
curso "De ator a modelo", o cara começa ator, vai piorando,
piorando, até virar modelo.
Tem uma definição primorosa,
de palavras cruzadas. Ator:
"Homem que sabe mentir com
quatro letras".
CACÁ - [Rindo] Muito bom!
WILKER - Hoje, as pessoas colocam o sucesso antes do trabalho. É muito mais importante
adquirir notoriedade que permanência. Eu tenho admiração
por atores como Paulo Autran,
Sérgio Brito, Raul Cortez, Juca
de Oliveira, caras que permanecem porque aprenderam o
"métier", aprenderam o dominar a profissão.
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