São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Tacacá seduz superchef francês Pierre Troisgros

A convite da Folha, ele experimentou e comentou pratos da cozinha brasileira

Um dos mais importantes chefs do mundo, o fundador do restaurante Maison Troisgros é um dos criadores da "nouvelle cuisine"

JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

"Hummm, muito bom!" Foi um caldo servido em cuias nas ruas de Belém e de Manaus, o tacacá, o alvo da interjeição de Pierre Troisgros, 78. A convite da Folha, o fundador do Maison Troisgros, restaurante em Roanne que ostenta há 38 anos a cotação máxima do "Guia Michelin", degustou alguns pratos da cozinha brasileira.
Em visita ao Rio, Florianópolis e São Paulo (onde participou de um encontro no Centro Universitário Senac), o chef francês almoçou com a reportagem na última quarta no restaurante Siri Mole, em Copacabana. Entre um prato e outro, comentou as iguarias degustadas, fez perguntas sobre os ingredientes, o preparo e quis saber se os brasileiros comiam bobó e tacacá no dia-a-dia.
"É difícil, é mais uma culinária para o turista. O brasileiro procura mais as cozinhas japonesa, francesa e italiana", responde o também chef Claude Troisgros, 50, filho de Pierre.
Com o conhecimento de quem vive há 26 anos no Brasil, Claude explica ao pai o que é tacacá. "Este é um prato extraordinário de Belém. Lá, eles o servem na rua. A base é a mandioca, e a folha é o jambu."
"Humm, muito bom! É ácido e anestesia a língua", diz Pierre. "É normal não descascar os camarões?", pergunta ao filho. "O camarão seco não dá para descascar", explica Claude.
O que chamou a atenção do pai Troisgros neste prato de origem indígena à base de tucupi (o caldo da mandioca) foi a acidez e a ligeira dormência que as folhas de jambu provocam na língua. "Está no gene da família Troisgros gostar de acidez. Quando se é criança, as mães e as avós escondem as geléias para as crianças não pegarem. No meu caso, não eram as geléias que a minha mãe escondia, eram os pepinos no vinagre", diverte-se.
"E o jambu foi uma descoberta extraordinária. Lembra um pouco uma folha que eu uso muito, a azedinha." (O escalope de salmão com molho de azedinha é uma das especialidades de Troisgros e ícone da "nouvelle cuisine", movimento que ajudou a criar).
E se o prato não é muito ácido, caso do pintado grelhado com purê de banana-da-terra servido no almoço, lá vai Pierre dar o seu toque: espreme umas gotas de limão sobre o purê.
"É a coisa da acidez. Ele achou que deveria levantar o astral da banana", ri Claude. Pierre dá outra garfada e comenta: "Interessante, principalmente o purê de banana, que para mim é novo em termos de gosto".
Pierre, que já havia se impressionado com o ardor de um molho de pimenta deixado sobre a mesa, se interessa pela sedutora pimenta-biquinho que enfeita o arroz de pequi. "Adorei essa pimenta, é interessante justamente por não ser muito apimentada", diz. "Não estou muito surpreso com o prato. É um arroz com frango que poderia comer em qualquer lugar. E o pequi é uma coisa meio sem personalidade. Disso [aponta no prato ao lado a pimenta-biquinho ainda não tocada] eu gostei muito. Deveria colocar umas seis em vez de uma." Em seguida, pergunta a Claude: "Você tem dessa pimenta para eu levar?". Com a cabeça, o filho acena que não. Acompanhando o movimento do garçom, que retira os pratos, Pierre estica a mão, pinça com os dedos a pimenta-biquinho rejeitada no prato vizinho e a leva à boca: "Humm, muito boa!".


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