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FERREIRA GULLAR
Saia justa
Lula precisa do PT
para se reeleger, mas isso o identifica
com a corrupção
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A CAMPANHA eleitoral está nas
ruas e isso pode fazer diferença para Lula que, durante três
anos e meio, esteve sozinho no palanque, a elogiar-se a si mesmo e seu
governo que, na sua modesta avaliação, é o melhor do mundo.
Antes, ele se preocupava apenas
em afirmar que era melhor que o do
Fernando Henrique, mas logo se
deu conta de isso era pouco, uma vez
que ele, Lula, em menos de quatro
anos, fez mais pelo Brasil do que todos os governantes dos 500 anos anteriores. Pouco se lhe dá se isso provoca risos e o torna, no cenário político nacional e internacional, um
personagem anedótico, desde que o
povão dos grotões acredite na bazófia e vote nele.
A falta de escrúpulos sempre foi
uma característica do PT e de Lula,
que, ao longo dos anos, acusaram
Deus e o mundo, não importando se
as acusações tinham ou não fundamento. Só que o faziam no papel de
defensores dos interesses públicos e
atribuindo a si mesmos o título de
detentores exclusivos da ética na
política.
Foi essa falta de escrúpulos que levou Leonel Brizola a apelidar Lula
de "sapo barbudo" que, para atingir
seus objetivos, "era capaz de pisar
no pescoço da própria mãe". Naquela época, muita gente achou que essa
afirmação era exagerada, mas o tempo mostrou que o líder pedetista tinha razão, já que o desempenho de
Lula na Presidência da República só
veio reforçar aquele diagnóstico; diria mesmo que o superou.
O PT, ao surgir, contava entre seus
quadros com personalidades de alto
nível, tanto ético quanto intelectual,
cidadãos dispostos a construir um
partido capaz de mudar radicalmente a sociedade brasileira. Esse ideal
foi esmaecendo na medida mesmo
em que a prática política impôs suas
regras e alguns dos principais dirigentes petistas a elas se submeteram, recorrendo com surpreendente rapidez ao achaque e ao suborno,
de que é exemplo o seqüestro e a
execução do prefeito Celso Daniel,
de Santo André.
Mas nada se igualaria ao grau de
corrupção que se verificou durante
o governo Lula, com o valerioduto e
o mensalão, envolvendo alguns dos
mais importantes membros do partido e do governo. O escândalo foi de
tal ordem que muitos deputados petistas se desfizeram em lágrimas no
plenário da Câmara Federal ao ouvir as denúncias que degradavam
seu partido. Em face disso, Lula, que
tudo sabia, tratou de afastar os culpados tanto da direção do partido
quanto do governo, após declarar
que de nada sabia. Ninguém acreditou, já que Lula sempre mandou e
desmandou no PT, tendo colocado
em postos-chaves pessoas de sua estrita confiança.
Basta o testemunho de César Benjamim, ex-dirigente e fundador do
PT, para eliminar qualquer dúvida.
Ao perceber os primeiros sinais de
corrupção e levá-los ao conhecimento de Lula, ouviu dele esta advertência: "Não se meta nisso". Só
quando Roberto Jefferson comunicou-lhe, no Palácio, que também sabia de tudo, Lula deu ordem a Dirceu para suspender o mensalão.
E teria sido o mensalão, por acaso,
iniciativa de algum dirigente equivocado? Claro que não: foi parte do
plano de aparelhamento da máquina do Estado para garantir a permanência do PT no governo por 20
anos, no mínimo. Um plano dessa
envergadura não poderia ser posto
em prática sem o consentimento do
principal líder do partido e chefe do
governo.
Era de se ver o olhar de Lula quando o escândalo estourou, olhar de
pânico. Mas logo seu ministro da
Justiça encontrou a desculpa, ainda
que esfarrapada, para o mensalão:
era verba de campanha eleitoral não
contabilizada. E Lula passou a repeti-la, alegando ser essa uma prática
comum a todos os partidos, com o
que admitia ser o PT um partido como muitos outros, corrupto como
muitos outros. Que fazer? Foram-se
os anéis, ficaram os dedos. Mas ficaram sujos, obrigando-o a tentar limpá-los com todo tipo de sabão possível, especialmente agora, com as
eleições. Lula está numa saia justa:
precisa do PT para se reeleger, mas
isso o identifica com corrupção; precisa do PT para responder às críticas
dos adversários, mas o PT, culpado,
se cala. Como não foi possível refundá-lo, decidiram repintá-lo, mudar-lhe a cor de vermelho para azul.
Tentando tapar o sol com a peneira, Lula afirmou que a culpa do mensalão não cabe nem aos mensaleiros
nem ao PT, mas ao sistema político.
E no auge da desfaçatez declara:
"Vamos ter ousadia para defender a
ética neste país". É muita ousadia
mesmo!
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