São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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FERREIRA GULLAR

Saia justa


Lula precisa do PT para se reeleger, mas isso o identifica com a corrupção

A CAMPANHA eleitoral está nas ruas e isso pode fazer diferença para Lula que, durante três anos e meio, esteve sozinho no palanque, a elogiar-se a si mesmo e seu governo que, na sua modesta avaliação, é o melhor do mundo.
Antes, ele se preocupava apenas em afirmar que era melhor que o do Fernando Henrique, mas logo se deu conta de isso era pouco, uma vez que ele, Lula, em menos de quatro anos, fez mais pelo Brasil do que todos os governantes dos 500 anos anteriores. Pouco se lhe dá se isso provoca risos e o torna, no cenário político nacional e internacional, um personagem anedótico, desde que o povão dos grotões acredite na bazófia e vote nele.
A falta de escrúpulos sempre foi uma característica do PT e de Lula, que, ao longo dos anos, acusaram Deus e o mundo, não importando se as acusações tinham ou não fundamento. Só que o faziam no papel de defensores dos interesses públicos e atribuindo a si mesmos o título de detentores exclusivos da ética na política.
Foi essa falta de escrúpulos que levou Leonel Brizola a apelidar Lula de "sapo barbudo" que, para atingir seus objetivos, "era capaz de pisar no pescoço da própria mãe". Naquela época, muita gente achou que essa afirmação era exagerada, mas o tempo mostrou que o líder pedetista tinha razão, já que o desempenho de Lula na Presidência da República só veio reforçar aquele diagnóstico; diria mesmo que o superou.
O PT, ao surgir, contava entre seus quadros com personalidades de alto nível, tanto ético quanto intelectual, cidadãos dispostos a construir um partido capaz de mudar radicalmente a sociedade brasileira. Esse ideal foi esmaecendo na medida mesmo em que a prática política impôs suas regras e alguns dos principais dirigentes petistas a elas se submeteram, recorrendo com surpreendente rapidez ao achaque e ao suborno, de que é exemplo o seqüestro e a execução do prefeito Celso Daniel, de Santo André.
Mas nada se igualaria ao grau de corrupção que se verificou durante o governo Lula, com o valerioduto e o mensalão, envolvendo alguns dos mais importantes membros do partido e do governo. O escândalo foi de tal ordem que muitos deputados petistas se desfizeram em lágrimas no plenário da Câmara Federal ao ouvir as denúncias que degradavam seu partido. Em face disso, Lula, que tudo sabia, tratou de afastar os culpados tanto da direção do partido quanto do governo, após declarar que de nada sabia. Ninguém acreditou, já que Lula sempre mandou e desmandou no PT, tendo colocado em postos-chaves pessoas de sua estrita confiança.
Basta o testemunho de César Benjamim, ex-dirigente e fundador do PT, para eliminar qualquer dúvida. Ao perceber os primeiros sinais de corrupção e levá-los ao conhecimento de Lula, ouviu dele esta advertência: "Não se meta nisso". Só quando Roberto Jefferson comunicou-lhe, no Palácio, que também sabia de tudo, Lula deu ordem a Dirceu para suspender o mensalão.
E teria sido o mensalão, por acaso, iniciativa de algum dirigente equivocado? Claro que não: foi parte do plano de aparelhamento da máquina do Estado para garantir a permanência do PT no governo por 20 anos, no mínimo. Um plano dessa envergadura não poderia ser posto em prática sem o consentimento do principal líder do partido e chefe do governo.
Era de se ver o olhar de Lula quando o escândalo estourou, olhar de pânico. Mas logo seu ministro da Justiça encontrou a desculpa, ainda que esfarrapada, para o mensalão: era verba de campanha eleitoral não contabilizada. E Lula passou a repeti-la, alegando ser essa uma prática comum a todos os partidos, com o que admitia ser o PT um partido como muitos outros, corrupto como muitos outros. Que fazer? Foram-se os anéis, ficaram os dedos. Mas ficaram sujos, obrigando-o a tentar limpá-los com todo tipo de sabão possível, especialmente agora, com as eleições. Lula está numa saia justa: precisa do PT para se reeleger, mas isso o identifica com corrupção; precisa do PT para responder às críticas dos adversários, mas o PT, culpado, se cala. Como não foi possível refundá-lo, decidiram repintá-lo, mudar-lhe a cor de vermelho para azul.
Tentando tapar o sol com a peneira, Lula afirmou que a culpa do mensalão não cabe nem aos mensaleiros nem ao PT, mas ao sistema político. E no auge da desfaçatez declara: "Vamos ter ousadia para defender a ética neste país". É muita ousadia mesmo!


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