São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2007

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GUILHERME WISNIK

Sistema de vazios


Os inúmeros rios e córregos paulistanos poderiam assumir um papel de reestruturação urbana

COM 42 PISCINÕES implantados, São Paulo tem previsão para a construção de mais aproximadamente 90, objetivando reduzir a ocorrência de enchentes. O problema é de interesse metropolitano, já que os alagamentos atingem vias centrais da cidade (sobretudo áreas próximas aos rios Tietê e Pinheiros), prejudicando ou até paralisando setores produtivos vitais para a economia urbana.
A bacia hídrica da cidade, no entanto, é formada por uma rede capilar de rios e córregos que vêm de áreas periféricas. Daí o fato de quase todos os piscinões se situarem nessas áreas, retardando o fluxo das águas próximo à sua origem, de modo a substituir o papel das várzeas que foram impermeabilizadas.
Assim, mesmo em uma cidade que concentra brutalmente a riqueza, são previstos investimentos públicos maciços em áreas carentes. Ocorre que esses gigantescos e áridos equipamentos técnicos, na prática, acabam sendo estorvos para os moradores do entorno, chegando, inclusive, a acumular grande quantidade de lixo. Em vez de reestruturar a urbanidade precária desses bairros, o investimento público termina atuando como fator de desagregação local. O que evidencia a falta de uma visão estratégica que possa, por exemplo, coordenar a política de reurbanização de favelas à de recursos hídricos.
Partindo dessas reflexões, os arquitetos do escritório paulistano MMBB receberam o primeiro prêmio na última Bienal de Arquitetura de Roterdã (Holanda), cujo tema era a cidade contemporânea. Interessada em resgatar o papel propositivo dos arquitetos face à informalidade disforme das atuais metrópoles, a Bienal se contrapõe à obsessão (tão em moda) de abordá-las sempre por meio de mapeamentos e índices, privilegiando enfoques que permitam intervir nas grandes cidades de modo estratégico e eficaz. Daí a inteligência da reflexão proposta pelo MMBB.
Se, por um lado, os grandes planos urbanos já caducaram, as intervenções pontuais (arquitetônicas), por outro, parecem insuficientes diante da complexidade de São Paulo. Trata-se, portanto, de agir diretamente sobre aquilo que de fato constrói a cidade: a infra-estrutura, uma rede de caráter sistêmico e dotada de valor público. Convertendo sua eficiência técnica em valor de uso do espaço nas escalas local e regional.
O MMBB não apresentou um projeto, mas um diagnóstico que ensaia soluções. Não há dúvida de que o cenário mundial de crescente escassez de água exigirá um enfrentamento consistente e articulado dos problemas de drenagem, saneamento e abastecimento hídrico nas cidades, envolvendo a implantação de redes difusas de tratamento de água e esgoto. Os inúmeros rios e córregos paulistanos poderiam, assim, assumir um papel de reestruturação urbana, desde que os reservatórios de retenção de água fossem equipamentos híbridos associados, por exemplo, a parques lineares, equipamentos públicos e habitação. Isto é, constituindo-se como centralidades agregadoras de conjuntos urbanos significativos, na forma sugestiva de um sistema feito de vazios.


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