São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2007

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Entrevista Paulo Mendes da Rocha

Tema de livros, arquiteto critica ação política no urbanismo e diz que a "sociedade amarga" abandonou o centro de SP

O arquiteto em essência é um contrariado

Passada a série de homenagens, cerimônias e debates no exterior, o arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha, 78, é tema de novos livros. Em "Paulo Mendes da Rocha -Projetos 1999-2006", estão reunidos projetos que tentam mudar a configuração de cidades para torná-las mais acolhedoras. Já "Maquetes de Papel" registra aulas de maquetes dadas na Casa Vilanova Artigas (Curitiba). Ele também abrirá a coleção "Arquitetos", da ed. Estação Liberdade, em outubro. (MARIO GIOIA)

FOLHA - O livro que reúne seus projetos de 1999 a 2006 é a primeira grande publicação sobre sua obra após você ter ganhado o Prêmio Pritzker. Como você vê tais projetos?
PAULO MENDES DA ROCHA
- Nesse período, surgiu uma série de projetos interessantes. Um deles foi a oportunidade de estudar o que foi chamado de museus da USP, porque a universidade pensou em reunir esses três museus -etnologia e arqueologia; zoologia e ciências- para atrair público externo. A cidade pouco a pouco está chegando lá, o metrô vai ficar ali perto. Era um projeto que deveria ser feito. Se você não é solidário ao projeto, não pode fazê-lo. Arquitetura não pode ser vista como uma coisa que você encomenda, e você se vira para fazer de qualquer maneira. O primeiro ímpeto de fazer surgir algo, que é o que o arquiteto faz, é uma convocação emotiva.

FOLHA - Dois projetos, feitos para programas que pleiteavam as Olimpíadas em Paris, em 2008, e em São Paulo, em 2012, se desenham a partir de rios. Por quê?
MENDES DA ROCHA
- Convoquei cinco grupos e vimos uma oportunidade de mostrar como São Paulo poderia se recompor em torno de suas estruturas fundamentais, com a possibilidade de uma cidade feliz, viável.
Investir em transporte público, fazer aparecer algumas virtudes que estão aí dormidas, como as águas. E centramos o projeto nas calhas, que são fundadoras inclusive do espaço da cidade, o rio Tietê e o rio Pinheiros, que antigamente eram navegáveis. Para 2008, Paris resolveu chamar 12 arquitetos para o projeto.
Minha parte era o Bulevar dos Esportes, formado pelos estádios e pela parte aquática. A área era belíssima, cortada pelo canal Saint-Denis, que deságua logo adiante no Sena, navegável. Foi um estímulo para o que depois fizemos em São Paulo.

FOLHA - O livro exibe dois projetos de grandes intervenções em prédios no centro, um o do Sesc 24 de Maio (SP), e o outro, um anexo no Museu Nacional de Belas Artes (RJ). Você poderia comentá-los?
MENDES DA ROCHA
- A recuperação desse antigo prédio, onde estava a [loja] Mesbla, no centro de São Paulo, é uma reforma penosa. Havia esse dilema, que é uma questão ética da arquitetura: demole, mas é uma bela construção... Decidiu-se não demolir e tentar aproveitar o prédio. Sugeri que eles comprassem um predinho do lado. E me ocorreu um raciocínio da Marinha, colocar um pequeno navio-oficina, que encosta nos outros e serve aos outros. Aí desenhei uma torre lateral, onde descarregou-se máquinas, vestiários, sanitários etc., aliviando o espaço. O arquiteto tem também uma visão estratégica, como quem organiza um campo de batalha. O anexo do Belas Artes do Rio é uma iniciativa de alta inteligência do Paulo Herkenhoff, ex-diretor de lá. Fez um balanço da situação e disse que o museu não tem futuro, na medida em que enfrenta uma impossibilidade de ampliação. E desenhei uma torre, só para funcionários.
Essa torre teria um caráter "sui generis", porque não iria copiar prédio nenhum. Aí me lembrei do Teatro del Mondo, em Veneza, concebido para ser um teatro flutuante, ora está na praça São Marcos, ora vai para dentro do canal, uma verdadeira maravilha. A figura do anexo, na arquitetura, tem um sabor histórico de uma força incrível, a Torre de Pisa é um anexo. Em vez de você continuar deformando um prédio, faça um anexo.

FOLHA - Na Luz, região central de São Paulo, o sr. reformou a Pinacoteca do Estado e fez o Museu da Língua Portuguesa. Qual sua opinião sobre a recuperação do centro?
MENDES DA ROCHA
- Se eu tivesse uma solução, tinha de cobrar uma fortuna para dizer [risos]. Essa sociedade amarga abandonou o centro da cidade e se enfiou no mato. As empresas se mudaram lá para baixo [em direção à zona sul], mesmo avenidas novas são extremamente caipiras, elas têm um ar de subúrbio rico e abandonaram o centro da cidade. Se você deixar degenerar, você reduz o valor imobiliário, compra tudo de novo, reconstrói a cidade... Há quem viva só disso.

FOLHA - Hoje, não lhe parece que a USP é mais um agrupamento de prédios e blocos, com pouca integração entre eles?
MENDES DA ROCHA
- Existem dois grandes modelos de universidade. No mais antigo, a universidade funda a cidade, como Heidelberg (Alemanha). Ou seja, a universidade é a alma da cidade. Mas há o outro modelo, do campus universitário, acredito que seja norte-americano. Eu prefiro o primeiro. E, aqui entre nós, há uma certa melancolia, um luto, porque a nossa universidade era integrada à cidade. O direito no largo São Francisco, a Faculdade de Medicina em Pinheiros...
Você tem razão, porque esses edifícios isolados, num "pseudoparaíso", destroem a essência da questão da educação, que é o caminho da escola, com bares e uma infinidade de outras coisas. A universidade apartada assim tira os jovens desse âmbito, da cidade, que é um fator de educação fundamental. É lastimável você fundar e comprar um grande arrabalde e chamar de cidade universitária.
Como foi feita, nunca se pensou no transporte público. Todo estudante tem um carro. A escola é pública, mas só dá milionário ali. Não fica bem. Há um trabalho final de graduação do meu filho, o Pedro [Pedro Mendes da Rocha, colaborador do pai], que planejou o retorno da USP para onde a cidade está agora. Um outro aluno fez determinada vez a universidade instalada no Campo de Marte. Você pode perceber como sofre um arquiteto, quão longe dos nossos horizontes está a cidade atual. Isso amargura a nossa existência e faz ver que o fator essencial e objetivo da questão da arquitetura e do urbanismo é político. É uma questão de vontade. O arquiteto, em essência, é um contrariado.

FOLHA - O sr. acredita que há uma identidade brasileira na arquitetura? Quais nomes você destaca?
MENDES DA ROCHA
- Não temos, mas eu vejo que há muitos aspectos da expressão da cultura no Brasil. Na arquitetura, é uma manifestação que lida com a natureza e como a cidade se funda nela. A arquitetura brasileira tem isso com muita clareza, como no MAM do Rio, do Reidy [Affonso Eduardo Reidy, 1909-1964]. O nosso Copan é uma obra de arte, uma das melhores obras de arquitetura do século 20. É significativo como houve inteligência em pôr em conjunto lojas, botequins, casas em cima, em um prédio esbelto, de uma forma curvilínea, que adquire estabilidade perfeita.
Não é um capricho porque o Niemeyer goste das curvas e não sei o quê. Há outros nomes, Lucio Costa [1902-1998], Attílio Corrêa Lima [1901-1943, arquiteto e urbanista que projetou Goiânia]. Outros são esquecidos, a literatura de arquitetura entre nós é muito pobre. Da minha geração, Pedro Paulo [de Melo] Saraiva [arquiteto paulista que fez projetos como a reforma do Mercado Municipal de SP], Abraão Sanovicz [1934-1999, arquiteto paulista, autor do Sesc Araraquara, junto de Edson Elito] e Eduardo de Almeida [autor do projeto que sediará a Brasiliana de José Mindlin na USP] são brilhantes.

FOLHA - Também será lançado livro no qual o sr. fala sobre maquetes. Qual a importância delas?
MENDES DA ROCHA
- Esse livro surgiu de uma idéia da Casa Vilanova Artigas, que tem aulas sobre arquitetura. Aqui no escritório eu faço uns estudos, principalmente do ponto de vista estrutural. São estudos de projetos, mas, a especulação é formal. Mostram o modo de construir, os recursos técnicos com que se vão construir arcos, vigas e pilares. Dei a aula sobre essas maquetes de papel. Você pode fazer sem recursos de oficina. Você faz na mesa com tesoura, cola e coisas singelas.


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