São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2011

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TRÉPLICA

In memoriam desmemória

Augusto de Campos rebate artigo de Ferreira Gullar na Folha e dá sequência à polêmica iniciada em julho

AUGUSTO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Detesto polêmicas. Nunca as iniciei. Gullar, o desmemorioso, é que há mais de 50 anos invectiva os poetas concretos de São Paulo. Flagrado em falhas e falácias, zomba da inteligência dos leitores, que reclamam, alegando problemas neo-urológicos. E continua a girar na roda gigante da Spaghettiland. Em vez de tratar da cabeça, provoca-me a um singular duelo de bengalas... Pior pra ele.
Jamais "engulliu" o fato de termos resgatado Oswald e sermos os criadores da poesia concreta, à qual aderiu e da qual dissentiu por ressentimento. O pretexto: um artigo de Haroldo de Campos, de 1957. Deu-o falsamente como manifesto dos paulistas, recém-colegas da mostra para a qual fora convidado. Amigo íntimo do diretor do suplemento literário do "Jornal do Brasil", publicou-o com uma réplica.
Diz que telefonou para nos avisar. Mentira. Atacou de surpresa. Depois vetou a tréplica de Haroldo. Tudo porque este falava em "matemática da composição", na linha de Poe. A ciência celebrada por Lautréamont nos Cantos de Maldoror: "Ó Matemáticas severas...". Assim Pound definira a poesia: "matemática inspirada". Assim Maiakóvski escrevera: "Eu / à poesia / só admito uma forma / concisão / precisão / das fórmulas matemáticas". E Oswald: "Fizemos até os primeiros passos na direção de uma geometria do verso". E João Cabral, na epígrafe de seu "O Engenheiro": "máquina de comover".
O que Gullar queria era tomar o poder. Criou um factoide, apondo-lhe um "neo" e incitando uns contra os outros. Fórmula publicitária: os "paulistas" eram cerebrais e desumanos, os "cariocas", sentimentais e calóricos. Dos dois lados havia cariocas, paulistas e estrangeiros e até falsos cariocas... Os arquivistas gostaram.
Vinham todos do concretismo maxbilliano. E viva Volpi! O resto é conversa mole. E a máscara caiu logo.
Natos e neonatos estavam juntos na mostra que Max Bill organizou em 1960 em Zurique, sob o título "KONKRETE KUNST (ARTE CONCRETA)". Estou para entender o horror à matemática das duras esculturas de Franz Weissman, dos "bichos" geométricos de Lygia Clark e dos metaesquemas de Hélio Oiticica, que ficou meu amigo e integrou meus poemas às suas obras dos anos 70.
Há pouco, uma grande exposição em Madri, que inclui concretos e neoconcretos, sob o significativo título "AMÉRICA FRIA - Abstração Geométrica na América Latina 1934-1973", mostra que a arte geométrica teve representantes em vários países da América Latina. O denominador comum é irrecusável. Os princípios da arte concreta são trans-suburbanos e transnacionais. A poesia neoconcreta não deu em nada e foi logo trocada pelo "violão de rua". A concreta vingou, aqui e lá fora, para escarmento do neodiluidor.
Gullar embolsa prêmios acadêmicos. Tem o seu público. Sua poesia é de bom nível, embora não tão boa quanto supõe. Nunca foi tão demagógica e previsível. E toda vez que ele se mira no espelho mágico da Spaghettilândia para perguntar quem veio primeiro, uma imagem familiar lhe responde: OS CONCRETOS, OS CONCRETOS... Mas há quem o superestime, perdoando ao poeta a incoerência e os deslizes facilitários, e ao homem a incontrolável vaidade, o fútil vira-casaca. Devia estar saciado. A gula não deixa.
Parlapatético, reduz Oswald a um Papai Noel de alpargatas que lhe trouxe guloseimas. Grato com o agrado, fez um poeminha que guardou na gaveta quando Papai Noel morreu. Não sabe de nada. Oswald usava paletó e gravata em 1954, quando o Salão Carmen Dolores Barbosa de que era patrono foi invadido pela camisa vermelha do jovem audaz Decio Pignatari, o nosso Oswald magro... E não tinha medo de matemática.
Vã-guarda arrependida, o genioso e academissivo umbigófago de sandálias não percebe o quanto dista do genial antropófago de gravata, rebelde permanente.
O Desmemorioso diz que não lembra do número de quadros que impingiu furtivamente à exposição do Rio, onde cada um tinha direito a quatro obras. "O Globo", 5/2/1957: "No fundo do salão, em 13 quadros de 1 por 2 m, via-se o poema 'O Formigueiro' do poeta 'concreto' Ferreira Gullar".
Quem quiser ler as nossas cartas off-Spaghettiland pode acessar o meu texto "Poesia Concreta: Memória e Desmemória" (1966) em uol.com.br/augustodecampos, poesiaconcreta.com ou issuu.com/augustodecampos/docs/memoria. A longa carta que enviei a pedido do jovem neossurrealista foi para lhe explicar um poema que ele não tinha repertório para entender. Deu trabalho. As mentiras sobre Oswald foram rebatidas nos meus artigos "Concretismo: Umas Tantas Mentiras e Alguma Matemática" (revista "Arte Hoje", nº 4, outubro de 1977) e "Gullar Barata Tonta" (O Globo, 22/12/86), issuu.com/augustodecampos/docs/gullar_baratatonta. Gullar leu e enfiou o violão de rua no saco. Confiado em que o leitor é mal informado ou não tem memória, volta ao crime, de orelhas roxas. Divirtam-se.


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