São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Obra menor do laureado Le Clézio abusa dos simplismos


É DIFÍCIL LER O LIVRO SEM SER PREMIDO CONSTANTEMENTE PELA MITOLOGIA DO PRÊMIO NOBEL. LER UM AUTOR QUE JÁ FOI LAUREADO PELA PREMIAÇÃO DE FORMA ISENTA, TALVEZ SOMENTE QUANDO O LIVRO FOR TÃO BOM, QUE ISSO SE TORNE UM DETALHE


NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Lendo "Raga", de Le Clézio, fica difícil entender o porquê de seu autor ter ganhado o Prêmio Nobel de Literatura, em 2008. É certo que trata-se apenas de um livro, e o prêmio é concedido para a obra completa, mas, durante a leitura, essa relativização parece a única justificativa plausível.
É mesmo difícil ler este livro sem ser premido constantemente pela mitologia do Prêmio Nobel. Ler um autor que já foi laureado pela premiação de forma isenta, talvez somente quando o livro for tão bom, que isso acabe se tornando um mero detalhe.
Não é o caso aqui. "Raga" é uma mistura de depoimento sobre uma visita à Polinésia e trechos da tradição mítica da região. Isso para associá-los na imaginação do leitor e compor uma crítica contumaz à colonização e à decadência imposta aos habitantes ancestrais das ilhas do Pacífico.
A Oceania é o "continente invisível", porque os aventureiros que a "descobriram" não a enxergaram. Até hoje, ele é mais uma ausência, um sonho, do que parte integrante do mundo.
É como se a Oceania, nos discursos políticos e culturais do Ocidente, fosse não muito mais do que um nome a decorar nas aulas de geografia.
As "aldeias do ar" são povoados que se escondem a 700 metros de altura da praia, onde todas as construções são feitas de madeira e folhas.
Esses povoados, que mantêm hábitos fixados há milênios, são narrados de forma misteriosa e lenta, como é o tempo dos moradores de lá.

ALTERIDADE
A narração sobre a tecelagem feita pelas mulheres da ilha, o salto iniciático do "gol" e os efeitos da "kava" -bebida alucinógena e ritualística consumida diariamente pelos homens- sintetizam simbolicamente o tempo e a instância em que vive esse outro povo, com cuja nudez é tão difícil confrontar-se.
Mas há muitos excessos, como "a mais espantosa história da humanidade", "uma das viagens mais audaciosas da história", "uma das paisagens mais belas do mundo".
Algumas passagens simplistas demais ("Ilhas/ Corpos escondidos/ Desaparecidos/ (...) De repente isolados/ No seu eterno sofrimento") acabam por se assemelhar a uma mimetização artificial da inocência e do espírito livre de resistência que o livro quer defender. Olhar para o outro, conhecê-lo e aceitá-lo, sem por isso aderir cegamente a sua identidade, é um problema bem difícil. Mas é necessário enfrentá-lo.

RAGA
AUTOR J. M. G. de Le Clézio
EDITORA Record
TRADUÇÃO Clóvis Marques
QUANTO R$ 21,90 (126 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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