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Em "Dicionário de Nomes Próprios" e "A Metafísica dos Tubos", escritora declara parentesco com o absurdo
Amélie Nothomb caminha do nada ao nada
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Estranha" talvez seja a melhor
palavra para classificar, não apenas a sensação do leitor de um livro de Amélie Nothomb, 36, mas
principalmente a engenhosa prosa da escritora. Dois exemplos recém-lançados no país são os romances "A Metafísica dos Tubos"
e "Dicionário de Nomes Próprios", cujas histórias partem do
nada, passam por algumas peripécias na melhor tradição romanesca e terminam no nada.
O parentesco que esse caminho
mantém com a produção dos autores classificados como "do absurdo" é declarado. "O absurdo
não é para mim senão a exploração dos novos lugares da causalidade mais conformes à verdadeira vida do que a lógica cartesiana", diz a autora entre Bruxelas,
na Bélgica, e Paris, na França, as
cidades nas quais escolheu morar.
No centro de um desses particulares universos estão os olhos
aterradores da menina Plectrude,
protagonista de "Dicionário de
Nomes Próprios". Filha de uma
mãe suicida e de um pai assassinado, a menina fascina-se com os
textos do dramaturgo Eugène Ionesco (1909-1994) -um dos expoentes do "teatro do absurdo"- quando decide se tornar
atriz, alternativa única depois da
constatação da impossibilidade
de se realizar como dançarina.
Mas o toque mais próximo das
criações de Ionesco é a invasão da
narrativa pela própria autora.
"Não me coloco na literatura forçadamente. Se eu apareço, é porque tenho alguma coisa de concreto a fazer lá."
E, quando não surge como personagem, a escritora faz de sua vida o tema do livro. No entanto, a
"história de vida" dessa escritora
nascida em Kobe, no Japão, filha
de pais belgas, e sucesso na França, onde recebeu o Grande Prêmio da Academia Francesa em
1999, não é contada da maneira
tradicional que se poderia esperar
de um romance autobiográfico.
Em "A Metafísica dos Tubos",
tudo começa no útero da mãe.
"No início não havia nada", escreve a autora. Embora com uma influência mais velada que a descarada participação de Ionesco no
"Dicionário", a literatura de Samuel Beckett (1906-1989) -outro
autor classificado como "do absurdo"- parece ditar o ritmo
dessa história.
Mais que isso, o início da personagem existindo no ventre da
mãe como um ser divino de formato tubular que nada carrega
em si ("uma membrana de existência protegendo um feixe de
inexistência") parece se ligar ao
não-personagem de Beckett de
"O Inominável". Naquele livro, o
narrador vai perdendo sua forma,
transformando-se em coisa até alcançar o nada.
Mas, se o nada beckettiano
constrói-se esvaziado, o de Nothomb vai preenchendo-se de
uma história contada do ponto de
vista de uma criança que descobre
o mundo particular em que vive,
em um Japão onde o pai diplomata canta nô e o bebê fala japonês
com a sua babá nipônica. Até que
o ciclo se fecha, perfeito: "Depois,
não aconteceu mais nada".
"Como todos os escritores que
fizeram retroceder os limites do
dizível, Beckett e Ionesco contribuíram para minha máquina literária", diz Nothomb, autora de,
entre outros, "Higiene do Assassino" e "Medo e Submissão".
A sugestão de implicações filosóficas que as narrativas de Nothomb podem trazer é resumida
por ela mesma: "A literatura será
sempre uma explicação parcial,
mas é de fato um domínio onde é
possível explicar uma parte do
inexplicável de si".
DICIONÁRIO DE NOMES PRÓPRIOS.
De: Amélie Nothomb. Editora: Nova
Fronteira. Quanto: R$ 22 (156 págs.).
A METAFÍSICA DOS TUBOS. De: Amélie
Nothomb. Editora: Record. Quanto: R$ 28
(142 págs.).
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