MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REPORTAGEM LOCAL

Há dois modos de interpretar "Sin Embargo", documentário de 49 minutos da americana Judith Grey sobre os efeitos do embargo econômico imposto a Cuba pelos EUA nos anos 60, de modo unilateral, depois que o ditador Fidel Castro fez acordo com a URSS.
Primeiro, é perfeitamente possível ater-se apenas ao primeiro plano, ao registro direto desta ode à criatividade dos cubanos, que, desprovidos de bens básicos para seu cotidiano, improvisam e sempre encontram um "modo romântico" de driblar a penúria.
Não faltam relatos em primeira pessoa para ilustrar a aparente tese central da cineasta. Desde um senhor que narra como conseguiu construir um tipo de mobilete com uma antiga bicicleta chinesa e "um motor de dois tempos" a um aficionado por música que inventou uma máquina manual de fazer cordas para instrumentos.
A câmera atenta de Grey passa revista à maior parte dos estratos e das faixas etárias da sociedade cubana: crianças mostram como brincar utilizando uma tampa de bueiro como tabuleiro, uma coreógrafa conta como criou um espetáculo sem música por conta dos freqüentes blecautes etc.
A segunda leitura de "Sin Embargo", a política, revela-se bem menos abrangente e detalhada, culpando direta ou indiretamente o embargo econômico dos EUA pela miséria cubana -o que é redutor e parece ranço da mesma Guerra Fria que permitiu sua imposição- e omitindo que Fidel faz o mais baixo uso político dele para justificar sua permanência no poder há 46 anos e o fato de que a criatividade dos cubanos não é só usada para fins positivos.
Assim, o modo como os taxistas lesam um governo que os obriga a circular em carros cujo banco traseiro esconde um sensor, as instalações de TV clandestinas que o Estado finge desconhecer e a prostituição nas regiões turísticas não têm lugar no documentário.
Cabe ao expectador decidir que ótica privilegiará. Se quiser só a "romântica", vai adorar o filme.