São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Gil e os piratas

A pirataria não pode ser considerada uma espécie de Bolsa Família do entretenimento cultural

QUESTIONADO sobre o alegre e abrangente consumo de cópias piratas do filme "Tropa de Elite", o ministro Gilberto Gil preferiu chamar a atenção para a complexidade do assunto -a seu ver "uma equação de muitos termos". A realidade, segundo Gil, estaria "relativizando o tempo todo a questão da propriedade intelectual" e o fenômeno da pirataria deveria ser analisado à luz das novas tecnologias e da existência de camadas da população com pouco dinheiro para adquirir bens culturais.
Não há dúvida de que o tema é cheio de complicações e o mero discurso legalista é insuficiente para enfrentá-las. Mas, ainda assim, não é possível deixar de ver na venda dessas cópias -e de tantas outras, a céu aberto, nas ruas de nossas cidades- a ocorrência de um roubo, que nada tem a ver com imaginários Robin Hoods culturais, a retirar arte dos ricos para distribuir aos pobres.
A pirataria não pode ser considerada uma espécie de Bolsa Família do entretenimento cultural. Organizada, ela é um comércio ilícito que beneficia poderes ilícitos, não se submete a nenhum código de direitos do consumidor, não paga impostos e usurpa o trabalho alheio.
Sintomaticamente, o artista Gilberto Gil está em plena temporada de um show puxado pela canção "Banda Larga", que vem embalado no marketing do Creative Commons. É engraçado um compositor bem-sucedido como Gil tirar chinfra de "liberou geral" na questão dos direitos autorais. Mas, na verdade, ele está abrindo mão de quê? Pelo que entendi, de nada: apenas de não ir à Justiça contra pessoas que façam gravações dos shows e as coloquem na internet -o que já ocorreria mesmo. Ou será que o compositor estaria realmente renunciando a direitos e nos autorizando a copiar sua obra e vendê-la a preços populares nos barracos da cidade?
Não é demais lembrar que o mesmo Gil preocupado com o acesso dos mais pobres a DVDs é o ministro à frente de um órgão que autoriza o uso de milhões e milhões de reais em projetos culturais de elite, por meio das leis de incentivo.
O assunto, obviamente, vai muito além dos problemas de maior ou menor poder aquisitivo para consumir cultura. Os novos meios de reprodução e difusão facilitam enormemente a circulação e o compartilhamento informal de produtos culturais. E isso tem produzido uma série de movimentos interessantes entre artistas e empresários, que procuram reinventar suas atividades em busca de novos modelos de negócios.
É nesse contexto que as declarações de Gil -e também de Orlando Senna, secretário do MinC- ganham mais sentido. Mas seria desejável que ambos apresentassem com mais clareza seus projetos. Às vezes tem-se a impressão que há uma política de intenções ousadas e transformadoras no ministério, mas café-com-leite. Não vale. Não chega à prática. Se o MinC, como diz Senna, acredita que é preciso "rever todos os conceitos e parâmetros" relativos aos direitos autorais, que venha com uma proposta. Caso contrário, ficamos no reino da retórica e da ambigüidade política.


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