São Paulo, domingo, 13 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Campanha do aga$alho

Socialites "desapegadas" doam roupas que nunca usaram

Mastrangelo Reino/Folha Imagem
A empresária Rosangela Lyra, fundadora do movimento Amigas de Bom Coração Desapegadas

Um vestido Pucci de Hebe Camargo foi uma das primeiras bagatelas do dia. Custava R$ 6.000 e foi vendido por R$ 2.000. Já os vestidos feitos especialmente por Alexandre Herchcovitch para Daniela Mercury, a R$ 1.800 cada um, e um relógio novinho de Adriane Galisteu, da Cavalli, avaliado em R$ 3.000, permaneciam encalhados até o começo da noite.

 

"R$ 3.000? Não dá. É o salário da minha babá", diz a apresentadora Rosana Beni, que acabou levando de Galisteu apenas um colar de R$ 50, além de uma bolsa Versace de R$ 200. As duas peças saíram num saco plástico de um bazar beneficente realizado nos fundos da grife Dior, nos Jardins, na quinta. Nas araras, roupas intactas, algumas usadas, doadas por celebridades e socialites, e outras de coleções passadas da Dior.

 

"Bazar, não. É "garage sale" [liquidação de garagem]", diz Rosangela Lyra, enquanto dá um tapinha com um cabide na repórter. Rosangela é a diretora da Dior no Brasil, organizadora do bazar em prol da Aliança de Misericórdia e fundadora do recém-lançado movimento ABCD (Amigas de Bom Coração Desapegadas). "O que acontece no armário das pessoas", explica ela, "é que elas vão acumulando roupas e depois é difícil se desapegarem. Existe a vontade de doar, mas ela está adormecida. Você tem que dar um cutucão."

 

O cutucão foi assim: Rosangela escolheu as amigas e clientes mais "bondosas, de bom coração e desapegadas" e intimou-as a doar as roupas que estavam esquecidas no closet para ajudar "os sem-voz e sem-vez". O resultado foram 1.200 peças doadas, "mil impecáveis", muitas delas ainda com etiqueta. Por que tanta roupa nova? "Às vezes, é por excesso mesmo. Na maioria das vezes, as mulheres acham que vão emagrecer e caber naquela roupa, e não emagrecem." Outras vezes, é por pura distração. Caroline Celico, filha de Rosangela, por exemplo. Ela é casada com o jogador Kaká. Já ganhou várias roupas da Adidas, patrocinadora de seu marido. E nunca usou. Botou tudo à venda.

 

Uma das que atendeu à intimação foi a empresária Maria Regina Yazbek, que compareceu ao bazar, ops, "garage sale" mesmo "com pneumonia". Ela doou 90 peças de grifes como Chanel, Gucci e Valentino. "Só sobrou Dior no meu armário", revela. "É que até o sutiã e a calcinha da Dior me vestem superbem." Diz ela que sente "zero dor em doar. Sou muito desapegada. No mundo, isso é supercomum. Aqui [no Brasil], falta a cultura disso. Talvez porque a gente nunca passou por uma guerra".

 

"Os ricos, em vez de ficarem blindando seus carros, deveriam investir mais no ser humano", diz Rosana Beni. "Se as pessoas praticassem o desapego com responsabilidade, não sendo maluquete, não haveria tanto empresário se suicidando em tempos de crise."

 

Outra que apareceu disposta a ajudar a causa -não doando, mas comprando vestidos- foi Deuzeni Goldman, mulher do vice-governador de SP, Alberto Goldman. "Decidi tirar a tarde de dondoca", diz ela, acompanhada por uma sobrinha e três amigas. "Praticar o desapego é uma coisa muito legal."

 

"Esse é Zara, mas é lindo", diz Deuzeni enquanto prova um casaco da marca. "Deuzoca, prova esse aqui", diz a amiga Cleusa, que comprou um sapato da Dior por R$ 850. Deuzoca não gosta do blazer verde da Dior que lhe sugerem. "Achei "piniquento"." Decide comprar um vestido para a sobrinha. Alertada de que faltam pedrinhas na roupa, pede desconto, de R$ 150 para R$ 100.

 

Taimir e Paula Nigro, mãe e filha, gastam R$ 5.000 em uma bolsa, uma jaqueta, um conjunto e bijuterias. "Comprar uma roupinha com desconto e ainda ajudar as pessoas é sempre bom", diz Paula, que estudou em Milão com Caroline, filha de Rosangela. "No preço normal, teria gasto uns R$ 8.500. Não sei quanto vai para ajudar, mas...", diz Taimir. A filha cutuca e avisa que a renda é totalmente revertida para a caridade. "Ó! É bastante", diz a mãe.

 

Já a publicitária Débora Villela Petrin reclama porque faltam peças no seu número, diz que o vestido de que mais gostou só servia na Barbie e se revolta porque a loja não aceita moedas estrangeiras. Ainda assim gastou R$ 4.005, em três saias, uma sandália, uma calça e um óculos. "Vocês podiam aceitar dólares ou euros. Marido sabendo que a gente gasta tudo isso em bazar não é bom."

 

Das peças usadas, escolheu só um twin-set, de ex-dona desconhecida. Pagou R$ 300. "Vou dar um banho de álcool nele." Sai fazendo planos. "Tô pensando em guardar um pouco do "budget" [orçamento] pro Fashion's Night Out [evento em que várias lojas da cidade ficaram abertas até a meia-noite]."

 

Nem todas querem saber a quem pertenceu o seu objeto do desejo. "Não quero nem saber, daqui vou direto para a lavanderia", conta a paisagista Leda Orsini. Ela comprou uma saia da Vertigo usada por Maria Regina Yazbek em jantar com a rainha Silvia, da Suécia.

 

"Deus sabe. Quando a gente trabalha pros que necessitam, ele coopera", diz Rosangela, festejando o sol depois de dias de chuva intensa. "Esse dia de hoje [de eventos de moda] tinha que ser na semana que vem", diz Camila Bittar. "Ninguém sai de casa hoje. É o penúltimo capítulo da novela."
  Rosangela Lyra nota que muitas das clientes da liquidação surgem com peças da Dior. "Acho bonito. É como se elas dissessem: "Estou vindo aqui, mas tenho a minha peça full price [sem desconto]"." A marchand Adriane Reis é uma das que está de Dior. Doa roupas? "Ajudo mais comprando mesmo. E doo pras amigas, que também é um jeito de ajudar."

 

A psicóloga Lucia Dall'Stella diz que doa roupas para "dar uma reciclada na vida". "É uma forma de dar uma renovada, em todos os sentidos. O feng shui diz que ajuda." Já Natalia Landsberger conta que doou algumas caixas para o evento antes de uma viagem para Miami. Quantos vestidos tem? "Fica até meio mal [falar isso]. Minha sogra comprava muitos, [Thierry] Mugler, [Yves] Saint Laurent, dizendo que era pra ficar pra neta. Só que tem coisas que não dá pra manter tanto tempo no armário."

 

Rosangela pretende fazer de sua "garage sale" uma ação permanente. "Estou pensando em criar um "case". Temos clientes, como a Carolina Dieckmann, a Angélica e várias "globetes", que podem ajudar", diz a diretora da Dior. "A ideia é ajudar os moradores de rua. As pessoas desconhecem a situação deles. Tem uns que até falam inglês."

Reportagem ADRIANA KÜCHLER



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Me engana que eu gosto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.