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A performance dos outros
Laura Lima usa o corpo de homens e mulheres como esculturas vivas em ações artísticas
Primeira a ter performance comprada por um museu no país, artista tem duas mostras em cartaz e faz curadoria da próxima Bienal do Mercosul
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Laura Lima não encontra palavras para descrever o que faz.
Mal toca no doce que pediu no
café enquanto dava esta entrevista, como se esperasse alguém para comer em seu lugar.
Também é uma artista de corpo
ausente da própria obra.
Só o corpo, porque define, de
forma cerebral, até o último
milímetro as tarefas que suas
"pessoas-carne" terão de executar. Lima não faz performances, mas põe gente em ação.
Foi a primeira artista no país
a ter uma dessas ações compradas para o acervo de um museu.
Agora tem duas individuais em
cartaz, uma em São Paulo e outra no Rio, e está na curadoria
da próxima Bienal do Mercosul
-sinal de que não para, mesmo
que fique por trás das cenas.
Na obra que primeiro deu
projeção a esta mineira radicada no Rio, uma menina de oito
anos vestia uma camisola branca e brincava de pular corda numa piscina de gelatina vermelha. "Parecia um parto às avessas", diz Lima sobre a ação no
parque Ibirapuera em 1996.
"Não pensei que ela se sujaria
inteira, foi algo indomável."
É o aspecto volúvel, o curso
do trabalho na mão de terceiros, que define toda sua obra.
Lima diz buscar a "energia vital" em tudo que faz, mas fica
um passo antes da performance, já que mostra o corpo vivo
como se fosse escultura. Obriga
suas "pessoas-carne", como define os executores de suas tarefas, a passar horas a fio instaladas no espaço expositivo, algo
como múmias que respiram.
"Não tem início, meio e fim",
diz. "Esse corpo está ali, vivo,
mas num sentido museográfico, como se fosse uma pintura."
Ou escultura. "Puxador" era
um homem nu amarrado às colunas do Museu da Pampulha
por uma série de cordas, como
se fosse deslocar o prédio com a
tração do corpo. Noutra versão
do mesmo trabalho, ele entrava
no espaço amarrado às árvores
e postes do lado de fora. "É a
pessoa-carne que puxa as paragens para dentro da galeria",
descreve. "É o que muitos pintores de paisagem já fizeram."
Mas já incomodou a nudez
desse homem, tanto que um
museu pediu à artista que cobrisse as carnes de sua pessoa.
Ela recusou e cancelou o trabalho. "É em torno disso que se
constrói a imagem", diz ela. "É
o corpo ali na situação mais
crua, uma pesquisa primordial
que faço em torno da matéria."
Essa matéria é carne, e a
crueza mostra que está viva. Lima se liga de maneira umbilical
ao performer Vito Acconci por
suas preocupações arquitetônicas, sua obsessão pela incerteza
do instante e pelo recurso à nudez como expressão formal.
Mas também confeccionou
muitas roupas, seus chamados
"Costumes", para embalar a
carne -ação que lembra o brasileiro Flavio de Carvalho, outro pilar que sustenta sua obra.
Como ele, que foi arquiteto,
artista, performer e escultor,
Lima diz não se encaixar em lugar nenhum. "Estou tão focada
nas minhas questões, que não
existe nem uma palavra para
descrever o que estou fazendo",
pondera. "Talvez o glossário da
arte esteja um pouco aquém."
Não espanta que ela gaste
tanto tempo explicando o trabalho a cada "pessoa-carne"
que aparece para executar suas
ações, o momento de "moldar"
o performer. Com medo de que
museus acabem descartando
essa ação e mostrando só os
instrumentos do trabalho, como cordas e roupas numa vitrine, Lima pretende gravar depoimentos para a posteridade.
"Não vou fazer uma coisa totalitária, mas os desvios serão
apontados", diz. "Eu construo
aparatos para o corpo, mas é
proibido mostrar só o aparato."
Só que ela sabe que corre o
risco de tudo virar fetiche
quando não estiver mais por
perto, por isso assiste às ações
como o público. "Eu sou mais
um que olha", resume. "Aquilo
tudo é risco, a coisa inexorável
daquele instante sem ensaiar."
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