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Rio traduz língua de Lenora de Barros
Artista revisita poesia concreta e linguagem pop em conjunto de vídeos dos últimos 25 anos em retrospectiva
Performances gravadas
serviram de suporte
para experimentos com
carga visual extrema de
herdeira dos concretos
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Lenora de Barros lambe e
mastiga o tempo e as palavras. Digere presença visual
e dimensão sonora dos vocábulos com fome concreta.
Desde que bateu com a língua um poema numa máquina de escrever, no final dos
anos 1970, a artista não perdeu a vontade de destrinchar
no espaço e no tempo a reverberação de letras e versos.
"Meu conceito de antropofagia foi ter essa postura em
relação a questões nossas, à
poesia concreta", diz a artista
à Folha no café do Oi Futuro,
no Rio, onde abre hoje uma
retrospectiva. "Era tentar esticar o tempo em palavras."
Nos fotogramas do vídeo,
sequência por sequência, ela
encontrou uma nova métrica
para essa espécie de língua
expandida. Essa parte de sua
produção, ao longo dos últimos 25 anos, aparece revista
agora em mostra no Rio.
"Nunca fui poeta concreta,
nem poderia ser", conta.
"Mas, a partir do momento
em que comecei a trabalhar
com palavras, a questão era
levar para o espaço os aspectos sonoros e visuais delas."
Mas ela nunca faz tudo ao
mesmo tempo. Barros articula um jogo de idas e vindas
entre a sonoridade mínima e
uma carga visual extrema.
Numa sala escura, uma
gravação da voz da artista recita um texto em que alinhava palavras que encerram o
termo "ver". É um vácuo visual cheio de som operando
como alicerce da imagem.
Do lado de fora da sala,
num espaço iluminado, as
oito letras da palavra "silêncio" aparecem fotografadas
sobre a língua da artista. Um
vídeo mostra cada uma sendo pregada com toda a fúria
de dentro para fora da boca.
"Essa questão da língua
está na origem e dentro do
meu trabalho, é a língua como símbolo de linguagem",
resume a artista. "Queria fazer um poema em que a língua fecunda a linguagem,
quase uma relação sexual."
PRESENÇA FÍSICA
Nesse ponto, ela precisa
do corpo. Da boca e dos olhos
à planta dos pés, a obra de
Barros não se desassocia da
presença física da artista.
Em seu primeiro vídeo, ela
repete uma performance fotográfica em que escovava os
dentes até a espuma da boca
cobrir todo seu rosto. Fundia
a análise da vida pautada pelos artistas conceituais a um
imaginário pop que tinha no
corpo um suporte plástico
atraente para a época.
Mais tarde, faz quatro vídeos em que cobre o rosto
com um gorro de tricô que vai
desfiando ao som de um discurso. São falas que oscilam
entre dizer e não dizer, o que
ela chama de "tentativa de
perseguir tempos absurdos".
Até que ela morde a língua. Numa fotografia que depois virou vídeo, ela mastiga
a língua, expressando essa
fome prensada entre os dentes. Mostra então que seu corpo não é presença carnal,
mas uma espécie de pele da
imagem desse discurso.
E, no fim, fica só a dúvida.
No último vídeo da mostra,
ela tira da boca um papel que
diz: "Eu não disse nada".
LENORA DE BARROS
QUANDO abertura hoje, às 19h; ter.
a dom., 11h às 20h; até 17/10
ONDE Oi Futuro (r. Dois
de Dezembro, 63, Rio, tel.
0/xx/21/3131-3060)
QUANTO grátis
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