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NOS BASTIDORES DA MÍDIA
Revista semanal americana ganha versão digital integral de seus 80 anos de existência
"New Yorker" marca encontro de 4.000 dias
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro, a má notícia. Este repórter não leu inteiras todas as
quase 4.000 edições da revista
"New Yorker", a melhor e (ainda
hoje) mais bem escrita publicação
semanal norte-americana, que
comemorou seus 80 anos de existência no dia 21 de fevereiro último. Segundo, a boa: se o leitor
quiser, pode passar os próximos
11 anos e meio fazendo isso, se devorar uma edição por dia.
É que acaba de ser lançado "The
Complete New Yorker" (a "New
Yorker" completa, Random House), um livrão vermelho com 125
páginas de texto, uma introdução
bem-humorada do atual editor,
David Remnick, e oito DVDs-ROM com TODA a revista digitalizada, da primeira edição, que
chegou às bancas dos EUA no dia
21 de fevereiro de 1925, com o que
se tornaria seu símbolo da revista
na capa, o dândi Eustace Tiller (na
época ainda não-batizado), até a
comemorativa dos 80 anos.
Inédita no Brasil, pode ser comprada em sites de vendas que entregam no país, como Amazon e
Barnes & Noble por US$ 100 (R$
223 mais envio). Além do conteúdo, traz mecanismos de busca
completos. Digite, por exemplo,
"Dorothy Parker", e aparecem na
janelinha os 115 textos que a escritora fez para a revista; ou Art Spiegelman (68 ilustrações); ou "Truman Capote" (13 reportagens). É
de enlouquecer.
"Os leitores reclamavam", escreve Remnick, o quinto editor,
que sucedeu o furacão Tina
Brown em 1993, pouco antes de a
revista ser vendida para a gigante
Condé Nast e pouco depois de a
jornalista britânica ser acusada de
quase acabar com a eterna fleuma
da revista, ao publicar pela primeira vez fotografias, por exemplo, e redesenhar o conteúdo inteiro, deixando-o mais "pop".
Até agora, para ter acesso a edições passadas, diz Remnick, era
preciso que fossem a bibliotecas
atrás de microfilmes, com "resultados chaplinianos", ou fizessem
como estudantes e confiassem no
Google, que consideram "uma
moderna Biblioteca de Alexandria turbinada". Ele tem razão: o
site da "New Yorker" (www.newyorker.com) é um dos mais blasés do ramo jornalístico.
Mas de certa maneira define a
alma da revista que formou gerações de leitores, revelou gerações
de jornalistas, escritores e intelectuais e apresentou uns aos outros
num casamento feliz: se todo o
mundo está fazendo igual, a "New
Yorker" faz diferente -geralmente, de maneira surpreendente. Não é isso o que buscamos, afinal? Era o que acreditava Harold
Ross, fundador e primeiro editor,
ao chegar a Nova York vindo da
Costa Oeste.
Ele sabia que queria criar uma
revista semanal, mas tinha mais
idéia do que não queria que ela
fosse do que o contrário. Numa
"carta de intenções" que escreveu
meses antes de lançá-la, dirigida a
potenciais anunciantes e assinantes, dizia que queria "inteligência
e clareza", "o humano em vez do
corporativo" e leitores com "interesse cosmopolita". "Não vai ser
nem radical nem intelectual. Será
o que chamamos de sofisticada e
presumirá que seus leitores tenham um certo grau de inteligência. Vai odiar bobagens."
E assim foi, ou pelo menos seria
por um tempo. As primeiras edições tiveram picos de 500 mil
exemplares, mas logo estacionaram em 25 mil, no que foi chamado de "o grande fracasso de 1925".
Até que Ross (1892-1951), conhecido mais por sua capacidade de
trabalho do que por ser um intelectual (é dele a pergunta "Moby
Dick é o homem ou a baleia?"),
mas esperto como uma raposa,
fez o que fazia melhor: cercar-se
de gente brilhante.
Contratou Katharine White,
que o convenceu a investir em ficção séria e reportagens de peso;
E.B. White, que daria forma ao
texto da revista (e depois lançaria
a "Bíblia" do gênero, "The Elements of Style", o avô de todos os
manuais de jornalismo); e o mítico Joseph Mitchell, o precursor do
jornalismo literário, que escreveu
reportagens e perfis irretocáveis
de 1938 a 1964, quando colocou
ponto final em seu último texto
-mas ainda teria uma sala e trabalharia na revista até sua morte,
em 1996, ninguém sabe muito
bem fazendo o quê.
Deu certo pelas próximas oito
décadas, com um período de crise
nos anos 90. Hoje, a revista gira
em torno do milhão de exemplares semanais e acumula prêmios.
De suas páginas saíram obras-primas do jornalismo como
"Hiroshima", de John Hershey,
que pela primeira vez foi o tema
único de uma edição, em 31 de
agosto de 1946; a cobertura que
Hannah Arendt fez do julgamento do criminoso nazista Adolf
Eichmann, cinco capítulos em
1963; "A Sangue Frio", relato de
Truman Capote dividido em quatro capítulos, em 1965; e, mais recentemente, a série de Seymour
M. Hersh que revelou o escândalo
de Abu Ghraib, entre outras.
Também na literatura. Um jovem chamado Holden Caulfield
(que viraria o protagonista de "O
Apanhador no Campo de Centeio") fez sua primeira aparição
no conto "Slight Rebellion Off-Madison", de um tal J.D. Salinger,
em 21 de dezembro de 1946. Edmund Wilson, John Updike e
Woody Allen, entre outros, devem seu pontapé inicial à revista.
Foi aqui que Dorothy Parker fez
sua casa desde o número 1 (diz a
lenda que, no primeiro ano, no
auge da crise de vendas, foi cobrada por Ross por um artigo que
não escreveu; e respondeu: "Alguém estava usando o lápis"). Foi
aqui que Pauline Kael, a crítica
das críticas de cinema, virou Pauline Kael (ao pedir para sair, nos
anos 90, a resenhista diria que a
melhor parte da aposentadoria
era não ser mais obrigada a assistir a filmes de Oliver Stone).
E muito mais. Na verdade, e tudo o mais, agora ao alcance de
nosso mouse. Temos um encontro marcado em 11 anos e meio.
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