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TELEVISÃO/CRÍTICA
Nada é inocente na 2ª jornada de "Hoje É Dia de Maria"
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Maria cai na boca do gigante. Lá dentro, tudo é sombrio. Ela encontra-se com a menina carvoeira e puxa o diálogo:
- Que lugar é esse?
- Nesse lugar, fica tudo o que a
cidade joga fora, inté as pessoas.
- Então nós estamos no meio
do pesadelo do gigante?
- Não, Maria, nós estamos no
meio da realidade do mundo.
"Hoje É Dia de Maria" é colorida, musical e estreou na véspera
do Dia da Criança. Basta, porém,
um olhar mais atento para ver que
nada é infantil ou inocente na série de Luiz Fernando Carvalho.
Mariazinha, que na primeira
jornada (ou temporada) fugira de
casa, da pedofilia e do trabalho escravo, agora deixa a roça e perde-se no caos dos centros urbanos.
Se na versão anterior o universo
lúdico embalava um olhar engajado do diretor, desta vez a linguagem de musical faz parecer ainda
mais alegre o que é, na verdade,
um roteiro denso e comovente.
Carolina Oliveira, intérprete da
protagonista, está mais à vontade
com tudo, inclusive com o sotaque caipira. Do alto dos dez anos,
nenhuma experiência prévia, impressiona novamente pela naturalidade. Dança, canta, sapateia, ri
e chora como se tudo fosse real.
Aproveita o dom da criança de
se deixar enganar de propósito
por uma história, de mergulhar
na fantasia e se assustar com vilões mesmo sabendo que são "de
mentirinha". Na estréia, o ponto
alto da nova menina dos olhos da
Globo se dá numa seqüência na
qual, sem dizer uma única palavra, revela pelo olhar a fome de
Maria diante da vitrine de frango
assado, sua solidão ao ver uma família reunida para a ceia e a frustração ao avistar Papai Noel distante, com presentes inatingíveis.
Molhada pela chuva, com frio,
Maria refugia-se num beco e
acende palitos de fósforo na tentativa de se aquecer. Na primeira
chama, ouve a voz do pai. "Eu não
queria fugir de casa. O mar me arrastou, o gigante me engoliu. Você me desculpa, pai?", suplica, em
lágrimas. Risca o último, escuta a
mãe, cai em prantos e levanta os
braços no vazio, implorando: "Me
aquece, minha mãezinha". É um
soco no estômago de quem mora
na cidade grande da vida real e
cruza com crianças jogadas no
meio da realidade do mundo.
Outra grata surpresa desse programa que já mudou a história da
TV brasileira: a atriz Inês Peixoto,
a Boneca. Do grupo Galpão, de
Minas, emocionou ao contracenar com Osmar Prado, brilhante
como o artesão doutor Copélius.
Com a cena, "Hoje É Dia" nos
lembra de como a TV é capaz de
desperdiçar talentos do teatro
(Inês) e de que a fábrica de novelas raramente dá conta do potencial dramático dos atores (Prado).
No início do capítulo, um conselho dado a Maria, quando pergunta que caminho deve seguir,
soa como recado de Carvalho aos
colegas que resistem em testar novos formatos na televisão : "Coragem, é só dar o primeiro passo".
Para aproveitar as últimas linhas, vale dizer que nem sempre
foi possível compreender a letra
das músicas, especialmente das
cantadas em coro. E que, apesar
disso, 1,3 milhão de domicílios na
Grande SP (25 pontos no Ibope)
mergulharam na experiência.
Hoje É Dia de Maria
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Quando: até sexta, após o programa
que sucede "América"; no sáb., último capítulo, depois da novela, na Globo
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