São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 2005

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TELEVISÃO/CRÍTICA

Nada é inocente na 2ª jornada de "Hoje É Dia de Maria"

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria cai na boca do gigante. Lá dentro, tudo é sombrio. Ela encontra-se com a menina carvoeira e puxa o diálogo:
- Que lugar é esse?
- Nesse lugar, fica tudo o que a cidade joga fora, inté as pessoas.
- Então nós estamos no meio do pesadelo do gigante?
- Não, Maria, nós estamos no meio da realidade do mundo.
"Hoje É Dia de Maria" é colorida, musical e estreou na véspera do Dia da Criança. Basta, porém, um olhar mais atento para ver que nada é infantil ou inocente na série de Luiz Fernando Carvalho.
Mariazinha, que na primeira jornada (ou temporada) fugira de casa, da pedofilia e do trabalho escravo, agora deixa a roça e perde-se no caos dos centros urbanos.
Se na versão anterior o universo lúdico embalava um olhar engajado do diretor, desta vez a linguagem de musical faz parecer ainda mais alegre o que é, na verdade, um roteiro denso e comovente.
Carolina Oliveira, intérprete da protagonista, está mais à vontade com tudo, inclusive com o sotaque caipira. Do alto dos dez anos, nenhuma experiência prévia, impressiona novamente pela naturalidade. Dança, canta, sapateia, ri e chora como se tudo fosse real.
Aproveita o dom da criança de se deixar enganar de propósito por uma história, de mergulhar na fantasia e se assustar com vilões mesmo sabendo que são "de mentirinha". Na estréia, o ponto alto da nova menina dos olhos da Globo se dá numa seqüência na qual, sem dizer uma única palavra, revela pelo olhar a fome de Maria diante da vitrine de frango assado, sua solidão ao ver uma família reunida para a ceia e a frustração ao avistar Papai Noel distante, com presentes inatingíveis.
Molhada pela chuva, com frio, Maria refugia-se num beco e acende palitos de fósforo na tentativa de se aquecer. Na primeira chama, ouve a voz do pai. "Eu não queria fugir de casa. O mar me arrastou, o gigante me engoliu. Você me desculpa, pai?", suplica, em lágrimas. Risca o último, escuta a mãe, cai em prantos e levanta os braços no vazio, implorando: "Me aquece, minha mãezinha". É um soco no estômago de quem mora na cidade grande da vida real e cruza com crianças jogadas no meio da realidade do mundo.
Outra grata surpresa desse programa que já mudou a história da TV brasileira: a atriz Inês Peixoto, a Boneca. Do grupo Galpão, de Minas, emocionou ao contracenar com Osmar Prado, brilhante como o artesão doutor Copélius.
Com a cena, "Hoje É Dia" nos lembra de como a TV é capaz de desperdiçar talentos do teatro (Inês) e de que a fábrica de novelas raramente dá conta do potencial dramático dos atores (Prado).
No início do capítulo, um conselho dado a Maria, quando pergunta que caminho deve seguir, soa como recado de Carvalho aos colegas que resistem em testar novos formatos na televisão : "Coragem, é só dar o primeiro passo".
Para aproveitar as últimas linhas, vale dizer que nem sempre foi possível compreender a letra das músicas, especialmente das cantadas em coro. E que, apesar disso, 1,3 milhão de domicílios na Grande SP (25 pontos no Ibope) mergulharam na experiência.


Hoje É Dia de Maria
    
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Quando: até sexta, após o programa que sucede "América"; no sáb., último capítulo, depois da novela, na Globo


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