São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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Pamuk vence o Nobel de Literatura

Escolha de romancista turco, que esteve ameaçado de prisão por mencionar massacre de armênios, evidencia o peso político da premiação

Pamuk durante a Feira de Livros de Frankfurt, em 2005


Alex Grimm - 22.out.2005/Reuters
O romancista turco Orhan Pamuk durante a Feira de Livros de Frankfurt, em 2005


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Anunciado ontem, o Prêmio Nobel de Literatura 2006 concedido ao romancista turco Orhan Pamuk, 54, reforça a idéia de que a política ganha cada vez mais peso na maior distinção literária do planeta. Ainda que seus méritos literários sejam reconhecidos internacionalmente, Pamuk denuncia há décadas os abusos contra os direitos humanos em seu país e, desde o ano passado, virou um símbolo da luta pela liberdade de expressão no mundo literário e na União Européia.
O autor foi o pivô de pressões internacionais contra a Turquia, já que estava ameaçado de prisão acusado de "denegrir a imagem do país" por declarações em que mencionava o genocídio de armênios cometido pelos turcos na Primeira Guerra. A Turquia nega que tenha havido o massacre. Segundo a Academia Sueca, foi escolhido um escritor que "em busca da alma melancólica de sua cidade natal encontrou novos símbolos para o choque e o entrelaçamento entre culturas".
"Fiquei muito feliz e honrado", declarou o escritor ao jornal sueco "Svenska Dagbladet". Nascido em 7 de junho de 1952, em Istambul, Pamuk é autor de uma obra que reflete sobre as culturas do Ocidente e do Oriente e que procura construir ligações entre o passado turco e futuro do país, ligado à Europa. Ele tem uma influência crescente na Europa e nos EUA e sua obra foi traduzida em várias línguas.
No ano passado ele esteve no Brasil, participando da Festa Literária Internacional de Parati. Na ocasião, analisou o "Livro das Mil e Uma Noites", bem como as relações entre o Oriente e o Ocidente, enfatizando a presença da mulher na cultura árabe. Suas influências declaradas são Proust, Tolstói, Nabokov e Thomas Mann.

Repercussão na Turquia
O prêmio foi recebido com reações mistas na Turquia, onde ele é motivo de orgulho para uns e encarado como um "traidor" pelos nacionalistas.
O ministro da Cultura turco, Atilla Koc, ficou "encantado" pelo anúncio da premiação, declarou um assessor à agência de notícias Associated Press. Já o nacionalista Kemal Kerincsiz, um dos autores do processo contra o escritor, afirmou que o prêmio tinha sido dado pelo seu "reconhecimento do genocídio armênio".
Pamuk correu o risco de ser preso em seu país após declarar a um jornal suíço que mais de 1 milhão de armênios tinham sido mortos na Turquia durante a Primeira Guerra Mundial, assim como mais de 30 mil curdos nas últimas décadas. Sob pressão da comunidade internacional, a Justiça do país terminou por arquivar o processo, o que foi feito em 23 de janeiro deste ano. O caso colocou em xeque o comprometimento da Turquia com a liberdade de expressão e teve implicações políticas com o processo de integração do país na União Européia -jornalistas e intelectuais no país ainda podem ir para a prisão em conseqüência da lei de junho de 2005 que prevê penas de prisão para quem insultar as instituições ou a identidade turcas.
Por coincidência, o prêmio a Pamuk foi anunciado no mesmo dia em que a Assembléia Nacional da França aprovou uma lei que pune a negação do genocídio armênio de 1915 (leia mais em Mundo).

Causas humanitárias
O escritor turco é conhecido por lutar pelas causas humanitárias e pela defesa da liberdade de expressão. Foi o primeiro escritor do mundo muçulmano a defender o escritor Salman Rushdie quando este esteve ameaçado de morte, em uma sentença promulgada pelo aiatolá Khomeini depois da publicação de "Os Versos Satânicos" (1988).
Em 1985, acompanhou Arthur Miller e Harold Pinter (o vencedor do Nobel de 2005) em uma viagem patrocinada pelo PEN American Center e pela Helsinki Watch para investigar a situação dos direitos humanos na Turquia.
Em entrevista concedida ao jornal "Le Monde" (publicada no caderno Mais! em 2/7/ 2006), diz que "Neve", de 2004, é seu primeiro livro com conteúdo político. Ainda assim criticou a politização e o romance político. "Ser uma personalidade pública não é bom para o trabalho do escritor. E, quanto a ser uma personalidade política, não vamos nem sequer falar disso. É um desastre!", disse.
Pamuk, que foi escolhido uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista "Time" no início deste ano, já disse que vai receber o prêmio em Estocolmo. Ele vai ganhar 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,9 milhões).
O escritor era um dos cotados para receber o Nobel, junto de nomes como o israelense Amós Oz, o peruano Mario Vargas Llosa o tcheco Milan Kundera, a argelina Assia Djebar e a britânica Doris Lessing. O sírio Adonis também freqüenta há vários anos a lista de prováveis candidatos ao prêmio da Academia Sueca.

Com agências internacionais

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