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Autran fundiu-se à fase moderna do teatro brasileiro
Artista começou como amador em 1947, integrou o período áureo
do TBC e dialogou com jovens nomes a partir do fim dos anos 80
Ator de técnica apurada no uso de pausa, ritmo e dicção, Paulo Autran era dono de uma das mais bem preparadas vozes do país
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Bom no drama e bom na comédia" -assim prenunciou o
crítico Décio de Almeida Prado
em 1953 sobre Paulo Autran.
Seis anos antes, o ator iniciara a
carreira no teatro amador, dirigido por Madalena Nicol em
"Esquina Perigosa", do britânico J.B. Priestley, em que contracenou com a irmã do bibliófilo José Mindlin, Esther.
Mas a vontade de representar remonta mesmo à infância,
quando Paulo brincava de teatro em casa com primos. Criavam cenas para os adultos adivinharem do que se tratavam.
"Minha primeira entrada em
cena, o primeiro papel que fiz
na vida, foi de demônio. Tinha
uns oito anos, botei um chinelo
vermelho da minha tia, um calção vermelho de pano, e minha
tia fez uns chifrinhos de papel
pintado de preto; me desenharam um bigode na cara e eu representei um demônio", afirma, no livro de entrevistas "Um
Homem no Palco" (1998), do
ator e crítico Alberto Guzik.
Filho de delegado e de uma
dona-de-casa autodidata que
tocava piano, Paulo Paquet Autran nasceu em 7 de setembro
de 1922, no Rio de Janeiro. Aos
seis anos, a família se mudou
para São Paulo. Como muitos
artistas de sua geração, formou-se em direito. Chegou a
trabalhar num escritório de advocacia, mas pouco tempo depois abandonou a profissão.
A fase amadora também foi
curta, de 1947 a 1949. Logo se
profissionalizou, dando início a
uma trajetória que se confundiu com a evolução do moderno
teatro brasileiro.
No fim de 1949, passou a integrar o Grupo de Teatro Experimental (GTE), de Abílio Pereira de Almeida. Na fase áurea
do TBC, atuou em produções
importantes, como "Seis Personagens à Procura de um Autor",
de Pirandello, com direção do
italiano Adolfo Celi. Ao lado do
próprio e de Tônia Carrero,
criou em 1956 a Companhia
Tônia-Celi-Autran, que estreou com "Otelo", de Shakespeare, e durou cinco anos.
Além de Tônia, contracenou
com outras grandes atrizes como Cacilda Becker ("Antígone", 1952), Bibi Ferreira ("My
Fair Lady", 1962), Maria Della
Costa ("Depois da Queda",
1964), Cleyde Yáconis ("Édipo
Rei", 1967) e Eva Wilma ("Pato
com Laranja", 1979).
Com Fernanda Montenegro,
fez parceria só na TV, veículo
que ele desprezava. Mas as pequenas incursões possibilitaram ao menos a antológica seqüência cômica de "Guerra dos
Sexos" (1983), em que Autran e
Montenegro atiram tortas no
rosto um do outro.
Nova geração
Entre os diretores com quem
atuou, estão Flávio Rangel ("Liberdade, Liberdade", 1965),
Ademar Guerra ("O Burguês
Fidalgo", 1968), Silnei Siqueira
("Morte e Vida Severina",
1969), Fauzi Arap ("Macbeth",
1970), Antunes Filho ("Em Família", 1972), Celso Nunes
("Equus", 1975) e José Possi
Neto ("Feliz Páscoa", 1985).
A partir do final dos anos 80,
passou a dialogar com a geração
mais recente de encenadores,
alguns inclusive de perfil experimental ou vinculados a grupos, como Eduardo Tolentino
de Araújo, do Tapa ("Solnes, o
Construtor", 1988), Paulo de
Moraes, da Armazém Companhia de Teatro ("A Tempestade", 1994), Ulysses Cruz ("Rei
Lear", 1996) e Felipe Hirsch, da
Sutil Companhia de Teatro ("O
Avarento", 2006).
Mas é no solo "Quadrante"
que o público se aproximou
mais de Paulo Autran em carne
e osso, sem propriamente a mediação de um personagem.
Desde 1988, ele entremeou as
temporadas das peças que produziu com viagens pelo Brasil
para apresentar seu "show", como preferia definir "Quadrante", ao qual o dramaturgo Plínio
Marcos certa vez assistiu e o
aconselhou a incorporá-lo ao
repertório.
Ao consagrar poetas, cronistas e romancistas diletos em
"Quadrante", Autran expôs a
condição de devoto da palavra.
Homem de técnica apurada no
uso de pausa, ritmo e dicção, ele
era dono de uma das mais bem
preparadas vozes do país. Por
isso a coleção de registros em
disco, prosa e verso, desde a década de 1950, em recitações para Pessoa, Drummond, Bandeira. Segundo Autran, o ator não
tem direito ao próprio corpo e
nem ao próprio rosto, mas sua
voz é inconfundível.
Autran era um artista da palavra. Todo espetáculo em que
atuou ou dirigiu principiava pela leitura de mesa. Era em volta
dela, na sala de seu apartamento, que submetia autores contemporâneos ao teste. Na escuta, orientava enunciações e torcia pelo colorido de diálogos ou
solilóquios.
"No dia em que, na minha casa, estudando uma cena do
Creonte de Anouilh, descobri
que o ator é "dono das palavras"
e pode fazer com elas o que quiser, descobri ao mesmo tempo
o valor da pausa, ou de sua supressão, que o sentido de uma
palavra é o que o personagem
quiser lhe atribuir naquele momento. Então, comecei a perceber a verdadeira função do ator,
do intérprete, enfim, o que é ser
ator", escreveu na fotobiografia
"Paulo Autran - Sem Comentários", publicada em 2005.
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