São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

comentário

Ator propõe problema que não existe

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Pedro Cardoso escreve: "Quando estou nu, sou sempre eu a estar nu, nunca o personagem". Tento me lembrar, inutilmente, de quando Pedro Cardoso, vestido ou não, foi outra coisa que não si mesmo, e me pergunto se esse tipo de propósito não equivale a criar um problema que simplesmente não existe.
Seu ponto, se bem compreendi, é: a nudez, que em algum momento da história já correspondeu a uma atitude libertária, hoje destina-se meramente a atrair público às salas. Trata-se, assim, de algo que avilta a profissão de ator e tende a anular, como diz a namorada, "a tênue linha que nos separa da pornografia".
Na verdade, desde que surgiu, o cinema é acusado de trazer o comércio para o sagrado território da arte. O que não deixa de, em parte, ser verdade. Ninguém imagine que Ruy Guerra não pretendia que seu "Os Cafajestes" fosse visto, quando rodou a famosa cena de Norma Bengell na praia.
De todo modo, essa "tênue linha" de fato tende, por vezes, a ser imperceptível e, pior, a arrastar consigo toda a produção artística moderna. O que dizer, por exemplo, dos romances de Henry Miller? Ou de "O Amante de Lady Chatterley"? E por aí vai. De maneira que esse "lado libertário", já passado, da nudez, não se sustenta.
Não nos faltam problemas no mundo do cinema. Com ou sem nudez, nossos filmes têm sido incapazes de enfrentar a cultura do blockbuster e a comercialização via multisalas; são muito pouco vistos pelo público a que se destinam. Eis coisas que merecem a atenção e a preocupação de produtores, diretores, atores etc.
Se como postulação geral esse manifesto é não mais que um apelo à censura, é preciso atenção ao caso particular. Sugere-se que um diretor teria exibido "rushes" de um filme a amigos e se vangloriado da performance que conseguiu da atriz. É fato muito grave, pelo qual, havendo comprovação, seria cabível, imagino, interpelação judicial. Ao mesmo tempo, é surpreendente uma atriz queixar-se de ter sido constrangida a filmar "cenas que atentavam contra" seu "próprio pudor". Como isso se deu? Ela não leu o roteiro que deveria interpretar? Ou colocaram um revólver na sua cabeça e lhe ofereceram um "negócio irrecusável"?
Toda essa história é tão cheia de elementos estranhos, incompreensíveis, truncados, entreditos, que parece uma ficção mal alinhavada, sombriamente retrógrada, destinada a funcionar como lance de marketing, a serviço não se sabe do que ou de quem.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Tate dá início a "mês Cildo" na Europa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.