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comentário
Ator propõe problema que não existe
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Pedro Cardoso escreve:
"Quando estou nu, sou
sempre eu a estar nu, nunca o personagem". Tento
me lembrar, inutilmente,
de quando Pedro Cardoso,
vestido ou não, foi outra
coisa que não si mesmo, e
me pergunto se esse tipo
de propósito não equivale
a criar um problema que
simplesmente não existe.
Seu ponto, se bem compreendi, é: a nudez, que
em algum momento da
história já correspondeu a
uma atitude libertária, hoje destina-se meramente a
atrair público às salas.
Trata-se, assim, de algo
que avilta a profissão de
ator e tende a anular, como diz a namorada, "a tênue linha que nos separa
da pornografia".
Na verdade, desde que
surgiu, o cinema é acusado
de trazer o comércio para
o sagrado território da arte. O que não deixa de, em
parte, ser verdade. Ninguém imagine que Ruy
Guerra não pretendia que
seu "Os Cafajestes" fosse
visto, quando rodou a famosa cena de Norma Bengell na praia.
De todo modo, essa "tênue linha" de fato tende,
por vezes, a ser imperceptível e, pior, a arrastar consigo toda a produção artística moderna. O que dizer,
por exemplo, dos romances de Henry Miller? Ou
de "O Amante de Lady
Chatterley"? E por aí vai.
De maneira que esse "lado
libertário", já passado, da
nudez, não se sustenta.
Não nos faltam problemas no mundo do cinema.
Com ou sem nudez, nossos filmes têm sido incapazes de enfrentar a cultura do blockbuster e a comercialização via multisalas; são muito pouco vistos
pelo público a que se destinam. Eis coisas que merecem a atenção e a preocupação de produtores, diretores, atores etc.
Se como postulação geral esse manifesto é não
mais que um apelo à censura, é preciso atenção ao
caso particular. Sugere-se
que um diretor teria exibido "rushes" de um filme a
amigos e se vangloriado da
performance que conseguiu da atriz. É fato muito
grave, pelo qual, havendo
comprovação, seria cabível, imagino, interpelação
judicial. Ao mesmo tempo,
é surpreendente uma atriz
queixar-se de ter sido
constrangida a filmar "cenas que atentavam contra" seu "próprio pudor".
Como isso se deu? Ela não
leu o roteiro que deveria
interpretar? Ou colocaram um revólver na sua
cabeça e lhe ofereceram
um "negócio irrecusável"?
Toda essa história é tão
cheia de elementos estranhos, incompreensíveis,
truncados, entreditos, que
parece uma ficção mal alinhavada, sombriamente
retrógrada, destinada a
funcionar como lance de
marketing, a serviço não
se sabe do que ou de quem.
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