São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2007

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"Mutum" contempla a infância no sertão

Primeiro longa-metragem de ficção de Sandra Kogut é uma adaptação da novela "Campo Geral", de Guimarães Rosa

Diretora, que usou não-atores, diz que pretendeu explorar universo do autor mineiro mais por sensações do que pela riqueza verbal

Divulgação
Thiago da Silva Mariz e Izadora Fernandes em "Mutum'; sítio às margens do São Francisco foi cenário


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O sertão é dentro da gente", esclarece Riobaldo em "Grande Sertão: Veredas". Talvez isso explique a identificação imediata que a carioca e urbaníssima Sandra Kogut, 42, sentiu muitos anos atrás ao ler a novela "Campo Geral", de Guimarães Rosa, que ela transformou no longa-metragem "Mutum", que tem pré-estréia hoje em São Paulo e entra em cartaz nesta quinta. "O livro fala de sensações da infância que todos podemos reconhecer. Tinha a impressão de que conhecia o Miguilim", diz a diretora.
Na obra, Miguilim é um menino do sertão de Minas que decifra e interpreta o mundo dos adultos a partir dos escassos dados que lhe chegam. Sua visão das coisas é, em mais de um sentido, pouco nítida.
No filme, é também pelos olhos desse menino que vemos o universo daquela pequena família rural, com sua carência material, seu isolamento, suas tensões afetivas e eróticas.
No cinema, Miguilim tem outro nome, Thiago, e a explicação dessa troca diz muito sobre a concepção e a realização do longa-metragem.
Quando decidiu fazer o filme, Sandra Kogut viajou pelo sertão mineiro em companhia da co-roteirista Ana Luiza Martins, especialista em Guimarães Rosa, numa busca simultânea de locações e, principalmente, de elenco.
"Desde o início, eu queria trabalhar com não-atores, até pela minha origem documental", conta a diretora de "Passaporte Húngaro" (2003).
Kogut visitou escolas rurais e conversou com crianças de várias partes do sertão mineiro. Não dizia a ninguém que faria um filme, e sim que pesquisava sobre a infância no interior.
"Trabalhamos com mil meninos, dos quais tiramos 25 e fizemos com eles oficinas numa cidadezinha." A essa altura, a diretora já havia escolhido Thiago da Silva Mariz como protagonista. Assim como todas as crianças que aparecem em "Mutum", ele jamais tinha visto um filme.

Elenco-família
Escolhidos os adultos e crianças do elenco (preparado por Fátima Toledo), escolhido o sítio que serviria de cenário (perto de Três Marias, na beira do São Francisco), todos viveram ali como uma família nos dois meses que antecederam a produção e nas nove semanas de filmagens. "Quando começamos a ensaiar, percebi que não havia como chamar aqueles meninos senão pelos seus nomes", diz a diretora. O único ator de "Mutum" que já havia trabalhado em cinema é João Miguel, de "Cinema, Aspirinas e Urubus" e "O Céu de Suely".
Kogut preparou o roteiro com o que ficara da história em sua lembrança, só recorrendo ao livro mais tarde. "No conto, acontecem muito mais coisas, há mais personagens. No filme, o tempo é outro, mais concentrado", compara.
A diretora diz que buscou se aproximar do universo de Rosa pelas sensações, não tanto pela riqueza verbal. "O texto é muito mais exuberante, o filme é mais despojado." Não tem música nenhuma, por exemplo. "Não gosto quando um filme diz: agora é a hora de você se emocionar", justifica.
Kogut evitou também o pitoresco e o etnográfico. "Eu não não queria "beleza", mas sim dar a idéia de um lugar remoto. Embora o sertão mineiro não fique longe de São Paulo e Rio, o isolamento é econômico: não tem estrada, não tem luz elétrica, as crianças caminham quilômetros para ir à escola."
A universalidade da obra será logo posta à prova. "Mutum" entra em cartaz na França em abril e já foi negociado com países longínquos como a Coréia, a Rússia e a Ucrânia. Miguilim/ Thiago vai longe -e leva consigo o sertão.


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