São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CECILIA GIANNETTI

Aliens em Ipanema

Gringos aprendem no Brasil o significado da saudade e a matam feito sede, bebendo as cervejas do pub irlandês

"A NOITE é longa e a saia é curta", filosofa a garçonete do pub irlandês, ao abaixar para pegar uma comanda perdida por algum cliente.
Sempre ocupada, mas não deixa de fazer uma parada na minha mesa para falar pelos cotovelos. Principalmente depois que leu no jornal, na semana passada, uma história que me contou.
Ela prende o cabelo num coque e me chama de "amiga". O gerente prefere cabelos soltos, quer seus sapatos altos e desconfortáveis.
Para que as canecas chegassem mais rápido em cada mesa, ela precisaria ter mais de dois braços. "Três mesas vazias, mas, em duas horas, isso aqui vai lotar de garoto novo e coroa gringo gastando os tubos."
Álcool e papo em todos os sotaques e variáveis de inglês, alemão, italiano. É um encontro aberto de alienígenas onde cabem até brasileiros, os que acham que aqui reina a convenção válida para as embaixadas, a ilusão sutil de que estamos em território estrangeiro.
Ela diz que não entende por que os gringos escapam da friaca tediosa natural de seus países para a América do Sul e se enfiam toda noite -"religiosamente"- num bar.
"Pubs são exatamente o tipo de programa que esses gordos fazem nas suas cidadezinhas pequenas atoladas em neve, onde não acontece muito mais do que campeonatos de dardo."
Vai ver que a graça é justamente essa, amiga. Eles só aprendem o que é saudade à distância. Eles não têm saudade na língua deles. Aprendem seu significado aqui e a matam feito sede, com a cerveja que você serve.
Muitos estrangeiros acabam baixando neste bar porque trabalham no Brasil há anos e às vezes sentem falta de falar outra vez o inglês ou dialetos ininteligíveis, como klingon encharcado no álcool.
""Às vezes", em cockney carregado, quer dizer "toda noite". Esses caras...", ela baixa a voz, para o caso de algum deles ter aprendido português por acidente -"estão em estágio tão avançado de alcoolismo que não o encaram como vício ou doença, mas parte do corpo, um órgão a mais sem o qual não desempenham suas funções vitais. Não aparenta fazer mal pra saúde deles e faz bem pra minha bolsa."
Não vive de salário. As gorjetas são maiores do que o que ganha por mês.
E ainda tem o que considera uma vantagem: é autorizada a beber cinco canecas toda noite, desde que fique de olho nas mesas.
"Brasileiro, gringo, nesse ponto é tudo igual: se der mole, saem sem pagar. Tirando os fregueses antigos, tem que desconfiar de todo mundo."
Cerveja importada vende melhor, é mais cara e é a escolha dos gringos assíduos, que pagam a vida do bar. Uma caneca da sua cerveja importada preferida custa quatro vezes mais que a nacional. "Isso ainda sai barato pra eles. Tudo no Brasil é barato para quem tem dinheiro de verdade."
"Amiga" acende seu último cigarro na paz relativa das 21h. O pub vai encher em pouco mais de meia hora.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Ciclo destaca rigor de Leon Hirszman
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.