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CECILIA GIANNETTI
Aliens em Ipanema
Gringos aprendem no Brasil o significado da saudade e a matam feito sede, bebendo as cervejas do pub irlandês
"A NOITE é longa e a saia é
curta", filosofa a garçonete do pub irlandês, ao
abaixar para pegar uma comanda
perdida por algum cliente.
Sempre ocupada, mas não deixa
de fazer uma parada na minha mesa
para falar pelos cotovelos. Principalmente depois que leu no jornal, na
semana passada, uma história que
me contou.
Ela prende o cabelo num coque e
me chama de "amiga". O gerente
prefere cabelos soltos, quer seus sapatos altos e desconfortáveis.
Para que as canecas chegassem
mais rápido em cada mesa, ela precisaria ter mais de dois braços. "Três
mesas vazias, mas, em duas horas,
isso aqui vai lotar de garoto novo e
coroa gringo gastando os tubos."
Álcool e papo em todos os sotaques e variáveis de inglês, alemão,
italiano. É um encontro aberto de
alienígenas onde cabem até brasileiros, os que acham que aqui reina a
convenção válida para as embaixadas, a ilusão sutil de que estamos em
território estrangeiro.
Ela diz que não entende por que os
gringos escapam da friaca tediosa
natural de seus países para a América do Sul e se enfiam toda noite
-"religiosamente"- num bar.
"Pubs são exatamente o tipo de
programa que esses gordos fazem
nas suas cidadezinhas pequenas
atoladas em neve, onde não acontece muito mais do que campeonatos
de dardo."
Vai ver que a graça é justamente
essa, amiga. Eles só aprendem o que
é saudade à distância. Eles não têm
saudade na língua deles. Aprendem
seu significado aqui e a matam feito
sede, com a cerveja que você serve.
Muitos estrangeiros acabam baixando neste bar porque trabalham
no Brasil há anos e às vezes sentem
falta de falar outra vez o inglês ou
dialetos ininteligíveis, como klingon
encharcado no álcool.
""Às vezes", em cockney carregado,
quer dizer "toda noite". Esses caras...", ela baixa a voz, para o caso de
algum deles ter aprendido português por acidente -"estão em estágio tão avançado de alcoolismo que
não o encaram como vício ou doença, mas parte do corpo, um órgão a
mais sem o qual não desempenham
suas funções vitais. Não aparenta fazer mal pra saúde deles e faz bem
pra minha bolsa."
Não vive de salário. As gorjetas são
maiores do que o que ganha por mês.
E ainda tem o que considera uma
vantagem: é autorizada a beber cinco canecas toda noite, desde que fique de olho nas mesas.
"Brasileiro, gringo, nesse ponto é
tudo igual: se der mole, saem sem
pagar. Tirando os fregueses antigos,
tem que desconfiar de todo mundo."
Cerveja importada vende melhor,
é mais cara e é a escolha dos gringos
assíduos, que pagam a vida do bar.
Uma caneca da sua cerveja importada preferida custa quatro vezes mais
que a nacional. "Isso ainda sai barato
pra eles. Tudo no Brasil é barato para quem tem dinheiro de verdade."
"Amiga" acende seu último cigarro na paz relativa das 21h. O pub vai
encher em pouco mais de meia hora.
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