São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O escultor do espaço

Em visita ao Brasil, Richard Serra diz à Folha que a arte é uma experiência física e que, em suas esculturas, pesam mais as sensações

Alessia Pierdomenico - 3.out.08/Reuters
Escultura de Serra, em exposição na galeria Gagosian, em Londres, até 20 de dezembro

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Richard Serra, 69, é um homem de olhar atento e mãos pequenas e inquietas. Bastante inquietas. Pois é com gestos, mais do que com palavras, que ele descreve seu trabalho.
Com a direita, ergue uma parede torcida. Com a esquerda, imita uma flor desabrochando. Depois, usa a ponta dos dedos para que visualizemos a movimentação das pessoas dentro das imensas estruturas de metal que lhe deram fama.
O escultor norte-americano entrou em cena na década de 60, associado à tendência minimalista e se tornou, anos depois, um ponto de referência da arte contemporânea. Ele está no Brasil para participar do Fronteiras do Pensamento Copesul Braskem, na capital gaúcha. Chega num intervalo entre vários projetos que toca pelo mundo. Entre eles, está uma obra nos arredores de Genebra, que está construindo a convite do arquiteto Norman Foster. Também prepara uma mostra no Museu do Prado, em Madri. E, no último dia 4 de outubro, abriu uma exposição na galeria Gagosian, em Londres, que vai até 20 de dezembro.
Em sua passagem por Porto Alegre, deve ainda conversar com autoridades locais sobre a possibilidade de trazer uma obra sua para integrar a paisagem urbana.
Em entrevista à Folha num hotel do centro da cidade, Serra falou de seu trabalho e de política -as transformações pelas quais os EUA passam.
Sobre suas esculturas novas, há uma intitulada "Fernando Pessoa", que está na mostra londrina. O escultor diz ser fã do escritor português. "Li o "Livro do Desassossego" e gostei do modo como ele lidava com suas contradições internas ao mesmo tempo em que persistia em sua arte." Ele vê semelhanças entre o poeta e outro escritor, de quem se declara leitor e admirador, o argentino Jorge Luis Borges: "Os dois autores se aproximam, pois fazem dialogar a lógica, a fantasia e a idéia de não se saber onde se vive, do labirinto".

Ontem e hoje
Artista com longa trajetória, Serra compara a recepção de seus trabalhos em décadas passadas com a que constata nos dias de hoje. Em 1981, quando instalou a obra "Tilted Arc", uma imensa estrutura de aço, no meio da Federal Plaza, em Nova York, houve protestos de trabalhadores das redondezas que a viam como um obstáculo -e o caso chegou aos tribunais.
Curiosamente, na mesma cidade, passados 26 anos, em 2007, uma retrospectiva no MoMA (Museum of Modern Art) foi um sucesso de público. "Em três meses, 800 mil pessoas viram a mostra. Ou seja, há uma nova audiência, mais jovem, que absorveu o susto do passado e confia mais na própria experiência."
Ele reforça que sua obra, para ser compreendida, não exige conhecimento prévio sobre a história da arte ou da escultura. "O que sente aquele que entra nas minhas estruturas é o tema delas. O que me interessa são as sensações que ocorrem ali dentro, mais do que o efeito estético do conjunto." Para ele, o observador deve apenas "confiar em sua experiência no momento que está entre as paredes".
Serra observa que a percepção das pessoas já se modificou no mundo da internet. "Hoje convivemos demais com realidades virtuais, consumimos imagens que logo desaparecem. Minhas esculturas lembram que a arte é uma experiência física que tem um tempo e um espaço."
Apesar de o contexto atual ser diferente, o artista crê que seu desafio é o mesmo. "Quero mexer com impressões e sentimentos. A arte não pode evitar catástrofes ou mudar a história. A "Guernica" não impediu os alemães de fazerem bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Mas Picasso tê-la pintado alterou a sensibilidade com relação a essa questão."

Obama
Californiano, o escultor vive em Nova York há muitos anos. Está otimista com o resultado das eleições em seu país. "Vi Obama uma vez. Ele disse ser um admirador do meu trabalho. Me espantei, políticos norte-americanos não sabem nada de cultura. E me emocionei porque ele é um homem extremamente bonito. Quando você está perto dele, quer tocá-lo."
Serra acha que o novo presidente vai renovar a imagem do país. "Imagino o Air Force One [nome que se dá ao avião em que viaja o presidente dos EUA] pousando com toda sua pompa. E de dentro sai um negro, como símbolo máximo da América! Sinto novamente orgulho de ser norte-americano."

Brasil
O artista já teve uma grande exibição no Brasil em 1997/98, no Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. Passou duas semanas no país. Entre os brasileiros cuja obra conheceu então, estão a do próprio Oiticica e a de Lygia Clark.
Recentemente, viu, na Tate Modern, de Londres, trabalhos de Cildo Meireles, dos quais gostou muito.
"O Brasil tem energia e é um lugar privilegiado de onde se pode observar a Europa e os EUA e fazer uma síntese daquilo que há de positivo nesses lugares. E a partir daí, pode alçar seu próprio vôo."


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.