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ARTES PLÁSTICAS
Tomie Ohtake mostra rumos da abstração no Brasil
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Na Quarta Bienal Internacional de São Paulo, em
1957, a presença ostensiva da abstração informal causou barulho.
Naquele momento, a corrente de
inspiração abstrata e geométrica
também ganhava densidade no
Brasil. Muitos encaravam o tachismo, protagonista da principal
exposição no país, com resistência, receio ou até como ameaça.
Em um país tão dado à descontinuidade, críticos e artistas mostravam sua preocupação com a
recepção acrítica desses procedimentos e discussões da Europa e
dos EUA do pós-guerra. Observando a trajetória da retrospectiva de Tomie Ohtake, um dos nomes mais conhecidos da abstração informal brasileira, notamos
que aqui pintura abstrata mais
gestual parece ter tomado rumo
bem diverso da matriz européia.
Sua pintura não buscava a "desrepressão" da subjetividade pelo
gesto espontâneo, como o tachismo francês. Lá os artistas trabalhavam de maneira vigorosa e
imediata, deixando forças inconscientes aflorarem e tomarem as
rédeas, evitando qualquer forma
mais castradora de racionalidade.
Menos espontaneísta, Tomie
Ohtake privilegia o momento da
execução da obra sobre sua ideação, mas de maneira mais pausada. De certo modo, ela procura
nesse procedimento algo em que
suas paisagens já se mostravam
interessadas. Uma reconciliação
entre zonas de cor distintas, que
configurassem um corpo uno e
apaziguado na tela.
Em seus primeiros trabalhos
abstratos, quatro regiões da mesma cor eram separadas por uma
fenda repleta de manchas pequenas, escuras e quebradiças. Tal
fronteira poderia demonstrar um
certo atrito resultante da irredutibilidade da forma. Mas, ao contrário, essa abertura indica uma
maior proximidade entre as regiões de cor. O modo harmônico
como elas se relacionam indica o
anseio em se reintegrar.
As manchas esmigalhadas da
fresta ortogonal poderiam indicar
algo de dissolução ou atrito. Sua
disposição, em diversas direções e
sentidos, evita que elas se choquem com as formas maiores.
Elas não exercem peso ou atrito,
tentam se encaixar ou demonstram uma circularidade em torno
de um eixo centrípeto que restitui
uma unidade pacificada do quadro, aproximando e reintegrando
todas as partes. Tal aproximação
não parte de uma imagem prévia
à tela. Sobrepondo lentamente camadas de tinta, ela faz com que as
partes se comportem, respeitando a ordem que vai se instituindo.
Em algumas de suas pinturas de
1956, ela marca a superfície da tela
com uma camada que dá uma
aparência orgânica e fluida ao seu
fundo. A tinta atua retirando
qualquer gravidade, atribuindo
ao quadro uma espacialidade atmosférica. Sobre esse plano as cores aparecem de maneira meio
anônima, procurando o seu papel
naquela dinâmica. Em planos irregulares, assumem formas evanescentes e quebradiças. As formas mais geométricas sempre se
relacionam em correspondência
com outra da mesma cor e de
mesmo aspecto. Dessa maneira a
unidade é novamente evocada.
Partidas por uma geometria irregular, elas giram ao redor de uma
órbita circular sempre retornando a um centro que as reconcilia
com a forma de onde partiram.
As cores diluídas, bem como as
formas cindidas e oscilantes, se
ressentem da unidade que lhes
dava corpo. Os componentes,
embora crispados, temem a dispersão. A composição ressalta o
papel que formas e cores ocupam
em um todo predeterminado.
Eles devem renunciar à sua especificidade em nome do equilíbrio.
Trabalhando com um universo
mais disperso e fragmentado nos
anos 90, a artista parece reforçar
mais intensamente essa pacificação. Mais uma vez a artista evita
uma ideação que feche a estrutura
da tela, aplica as cores na tela procurando um plano virtual que determine o que elas devem fazer.
Novamente, nem o gesto, nem
as cores e nem as formas podem
aparecer como elementos afirmativos e auto-suficientes. Aqui a subordinação retira toda a presença
física mais marcada das tintas, colocando-as a serviço de um plano
quase impalpável. A disposição
da tinta sugere um primeiro momento de dispersão, seguido de
reunificação, quase como se figurasse aí a noção de uma gênese.
Assim, formas e cores se mostram continuamente transitivas
entre a abstração e a figuração de
um processo de desintegração e
reintegração. Os elementos dos
trabalhos, longe de se afirmarem,
mostram-se pálidos, empenhados continuamente em uma harmonização excessiva. Tanto as
formas quanto as cores se furtam
a aparecer como elementos singulares, nos informalismos europeu e norte-americano essa potência é central. Tomie se aproxima, de certo modo, dessa dimensão irredutível da matéria, mas
não resiste à tentação de compô-la. Colocados na tela, os componentes da pintura devem baixar a
voz. Eles acabam realizando movimentos que não são deles.
Retrospectiva Tomie Ohtake
Onde: Instituto Tomie Ohtake (r.
Coropés, 88, Pinheiros, São Paulo, tel. 0/
xx/11/3873-0618)
Quando: de ter. a dom., das 11h às 20h;
até 3/3
Quanto: entrada franca
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