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LIVRO
Para sociólogo, atuação da mídia valoriza riscos pouco prováveis, como de que
pacientes peguem fogo em cirurgia
"Perigos pequenos" alimentam comércio
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir trechos de entrevista dada por Barry Glassner, por
telefone, de Los Angeles, para a
Folha.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Como o 11 de Setembro
afetou a "cultura do medo"?
Barry Glassner - Imediatamente
depois do 11 de Setembro nos Estados Unidos a mídia, os políticos
e outros grupos que discuto no livro estiveram mais focados em
discussões que envolviam perigos
verdadeiros e assuntos internacionais. Isso aconteceu mesmo
com os canais de TV locais, que
acredito serem os maiores defensores do comércio do medo. A seriedade durou pouco e todos voltaram ao velho discurso. No verão
seguinte, por exemplo, se você ligasse uma TV qualquer ouviria
em minutos reportagens histéricas sobre crianças desaparecidas.
Folha - Mas quais foram as heranças mais perenes do 11/9?
Glassner - Caiu a histeria que
cercava um dos grupos que se tornaram alvos preferenciais do
mercado do medo, os adolescentes homens. A razão é que a velha
história da juventude degenerada
perdeu força. Na mídia e na política os jovens passaram a ser heróis
militares, heróis do Corpo de
Bombeiros de Nova York.
Folha - Como anda o ranking de
medos absurdos dos americanos?
Glassner - Eles nunca param. O
comércio de medos ligados a perigos pequenos ou insignificantes é
tremendo. Todas as semanas aparecem, mesmo em revistas tidas
como razoavelmente sérias. A
"Time" desta semana, por exemplo, reciclou um desses medos
malucos que eu abordara no livro,
o perigo de que pacientes peguem
fogo durante uma cirurgia em
hospital. É quase impossível. Outro "temor" recente estimulado
pela mídia é de uma terrível onda
de jovens ricas e com alta educação virando prostitutas. Os medos de perigos tecnológicos também vão bem, como o dos computadores que vão ficar mais inteligentes que os homens, um tema
de ficção científica que voltou.
Folha - Quem são os grandes beneficiados do terror generalizado?
Glassner - São quatro grupos
principais. Os políticos que ganham eleições em cima do discurso da solução do medo. Em segundo, alguns segmentos da mídia, sobretudo canais de TV locais
e redes de notícia 24 horas. Depois
as diferentes indústrias da segurança. Por fim, os advogados.
Folha - O medo exagerado não é
totalmente novo. Um dos exemplos é a paranóia atômica durante
os anos de Guerra Fria. O sr. saberia
dizer quando a "cultura do medo"
começou a ser semeada?
Glassner - O comércio do medo
aconteceu em vários momentos
da história. Mas o que chamo de
"cultura do medo" é algo bem
mais recente. Por ela entendo um
ambiente de bombardeamento
ininterrupto de notícias estimulantes do medo exagerado. No
passado isso era localizado. Agora
é o tempo todo. Se você vai a uma
estrada, vê outdoors de sabonetes
antibacterianos. Campanhas políticas também são assim. Antes
vendiam esperança e progresso,
hoje se apóiam no medo.
É difícil dizer quando isso começou, mas o surgimento das
TVs a cabo foi importante. Antes
a pessoa podia ler uma história assustadora no jornal, pela manhã,
mas só voltava a pensar nisso no
dia seguinte. Agora é 24 horas.
Folha - O sr. critica fortemente a
mídia, mas no primeiro capítulo
pede que não culpem os jornalistas, que só retratam uma realidade. Como o sr. explica o paradoxo?
Glassner - Com relação aos jornalistas existem mesmo os dois
lados da moeda. Por um lado, a
mídia vende violentamente o medo, mas, por outro, são basicamente só jornalistas os que desmontam as ideologias do pânico.
Quando comecei a pesquisar, esperava que outros acadêmicos tivessem feito, ou fossem fazer
também, trabalhos para revelar o
comércio do medo, mas não.
Folha - O sr. ficou com "medo"
dos resultados de suas pesquisas?
Glassner - Fiquei chocado de
modo geral como perigos totalmente insignificantes podem virar um medo epidêmico. Por
exemplo, o fato de que muitos
pais não deixam seus filhos brincarem nos parquinhos com medo
de sequestro. A chance de que eles
sejam sequestrados é bem menor
do que a de que uma das crianças
seja atingida por um raio. Outro
exemplo: o sabonete antibacteriano é uma indústria de US$ 1 bilhão. E é um produto que só seria
necessário para alguém que trabalhe em hospital. Os tiroteios em
escola são outro exemplo. Muitos
milhões estão sendo gastos para
transformar as escolas em quase
prisões de segurança máxima.
Folha - O medo de que um coleguinha de seu filho possa entrar na
escola atirando pode ser estatisticamente absurdo, mas não é normal que as pessoas se assustem
com um fato tão surreal como este?
Glassner - Nos focamos muito
na imagem assustadora de uma
criança atirando, mas não percebemos o que há de realmente assustador nisso. O espantoso número de armas que está nas casas
americanas e a facilidade com que
um jovem irado consegue ter
acesso a uma delas é que choca.
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