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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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LIVRO

Para sociólogo, atuação da mídia valoriza riscos pouco prováveis, como de que pacientes peguem fogo em cirurgia

"Perigos pequenos" alimentam comércio

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir trechos de entrevista dada por Barry Glassner, por telefone, de Los Angeles, para a Folha. (CASSIANO ELEK MACHADO)

Folha - Como o 11 de Setembro afetou a "cultura do medo"?
Barry Glassner -
Imediatamente depois do 11 de Setembro nos Estados Unidos a mídia, os políticos e outros grupos que discuto no livro estiveram mais focados em discussões que envolviam perigos verdadeiros e assuntos internacionais. Isso aconteceu mesmo com os canais de TV locais, que acredito serem os maiores defensores do comércio do medo. A seriedade durou pouco e todos voltaram ao velho discurso. No verão seguinte, por exemplo, se você ligasse uma TV qualquer ouviria em minutos reportagens histéricas sobre crianças desaparecidas.

Folha - Mas quais foram as heranças mais perenes do 11/9?
Glassner -
Caiu a histeria que cercava um dos grupos que se tornaram alvos preferenciais do mercado do medo, os adolescentes homens. A razão é que a velha história da juventude degenerada perdeu força. Na mídia e na política os jovens passaram a ser heróis militares, heróis do Corpo de Bombeiros de Nova York.

Folha - Como anda o ranking de medos absurdos dos americanos?
Glassner -
Eles nunca param. O comércio de medos ligados a perigos pequenos ou insignificantes é tremendo. Todas as semanas aparecem, mesmo em revistas tidas como razoavelmente sérias. A "Time" desta semana, por exemplo, reciclou um desses medos malucos que eu abordara no livro, o perigo de que pacientes peguem fogo durante uma cirurgia em hospital. É quase impossível. Outro "temor" recente estimulado pela mídia é de uma terrível onda de jovens ricas e com alta educação virando prostitutas. Os medos de perigos tecnológicos também vão bem, como o dos computadores que vão ficar mais inteligentes que os homens, um tema de ficção científica que voltou.

Folha - Quem são os grandes beneficiados do terror generalizado?
Glassner -
São quatro grupos principais. Os políticos que ganham eleições em cima do discurso da solução do medo. Em segundo, alguns segmentos da mídia, sobretudo canais de TV locais e redes de notícia 24 horas. Depois as diferentes indústrias da segurança. Por fim, os advogados.

Folha - O medo exagerado não é totalmente novo. Um dos exemplos é a paranóia atômica durante os anos de Guerra Fria. O sr. saberia dizer quando a "cultura do medo" começou a ser semeada?
Glassner -
O comércio do medo aconteceu em vários momentos da história. Mas o que chamo de "cultura do medo" é algo bem mais recente. Por ela entendo um ambiente de bombardeamento ininterrupto de notícias estimulantes do medo exagerado. No passado isso era localizado. Agora é o tempo todo. Se você vai a uma estrada, vê outdoors de sabonetes antibacterianos. Campanhas políticas também são assim. Antes vendiam esperança e progresso, hoje se apóiam no medo.
É difícil dizer quando isso começou, mas o surgimento das TVs a cabo foi importante. Antes a pessoa podia ler uma história assustadora no jornal, pela manhã, mas só voltava a pensar nisso no dia seguinte. Agora é 24 horas.

Folha - O sr. critica fortemente a mídia, mas no primeiro capítulo pede que não culpem os jornalistas, que só retratam uma realidade. Como o sr. explica o paradoxo?
Glassner -
Com relação aos jornalistas existem mesmo os dois lados da moeda. Por um lado, a mídia vende violentamente o medo, mas, por outro, são basicamente só jornalistas os que desmontam as ideologias do pânico. Quando comecei a pesquisar, esperava que outros acadêmicos tivessem feito, ou fossem fazer também, trabalhos para revelar o comércio do medo, mas não.

Folha - O sr. ficou com "medo" dos resultados de suas pesquisas?
Glassner -
Fiquei chocado de modo geral como perigos totalmente insignificantes podem virar um medo epidêmico. Por exemplo, o fato de que muitos pais não deixam seus filhos brincarem nos parquinhos com medo de sequestro. A chance de que eles sejam sequestrados é bem menor do que a de que uma das crianças seja atingida por um raio. Outro exemplo: o sabonete antibacteriano é uma indústria de US$ 1 bilhão. E é um produto que só seria necessário para alguém que trabalhe em hospital. Os tiroteios em escola são outro exemplo. Muitos milhões estão sendo gastos para transformar as escolas em quase prisões de segurança máxima.

Folha - O medo de que um coleguinha de seu filho possa entrar na escola atirando pode ser estatisticamente absurdo, mas não é normal que as pessoas se assustem com um fato tão surreal como este?
Glassner -
Nos focamos muito na imagem assustadora de uma criança atirando, mas não percebemos o que há de realmente assustador nisso. O espantoso número de armas que está nas casas americanas e a facilidade com que um jovem irado consegue ter acesso a uma delas é que choca.

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