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RODAPÉ
Bagatelas bissextas
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Assim como existem poetas
bissextos, também há "editoras bissextas", que só publicam
de tempos em tempos, lembrando-nos que, nesses tempos de
produção em escala e de consumo
frenético, a escassez pode ser uma
virtude. É o caso da Olavobrás,
editora que acaba de lançar quatro pequenos livros dentro da coleção Bagatela: fragmentos do filósofo grego Xenófanes, uma coletânea do poeta León Félix Batista e duas antologias de poesia
contemporânea.
A coleção na verdade precede a
editora: surgiu em 1985, na extinta
Expressão, por iniciativa do escritor e tradutor Marcelo Tápia. Em
1987, ele e o poeta Luis Dohlnikoff
criaram a Olavobrás, cujo nome,
sugerido por Paulo Leminski, associa a marca Petrobras a um trocadilho com o nome do poeta
parnasiano Olavo Brás Martins
dos Guimarães Bilac. Desde então, a Bagatela passou a ser publicada pela Olavobrás, que nunca
abandonou sua vocação bissexta,
ressurgindo periodicamente com
um pacote de lançamentos (o catálogo completo está no site).
Os títulos recém-lançados, apesar do tamanho pequeno, têm o
mérito de serem bilíngues e de
apresentarem textos inéditos em
português. No caso de Xenófanes,
trata-se de um conjunto de fragmentos que talvez interesse mais
aos estudiosos da cultura clássica.
Afinal, é preciso ter alguma familiaridade com filosofia e literatura
gregas para identificar, por exemplo, uma crítica a Homero e Hesíodo em seus ataques ao antropomorfismo religioso. Por isso, os
comentários do tradutor tornam-se essenciais para o leitor leigo.
No extremo oposto de tempo e
espaço, o volume dedicado a Félix
Batista traz a poesia de um jovem
escritor da República Dominicana. São poemas em prosa de exuberância metafórica, uma "arena
brutal do sentimento" que mostra
como a imagética neobarroca,
que irradiou de Cuba com Sarduy, Lezama Lima e Carpentier,
continua viva na América Latina.
Mas são as duas antologias que
mais surpreendem, pela capacidade de concentrar tanta informação em tão pouco espaço. Em
"Dois ao Cubo - Alguma Poesia
Francesa Contemporânea", Roberto Zular identifica pares de
poetas que correspondem aos seis
lados de um cubo que encarna a
"tensão entre cálculo e imprevisto, forma e imaginário, que Valéry apontava (...) como um dos
eixos centrais na história da poesia francesa".
Na seleção de Zular, há nomes
consagrados como os de Georges
Perec e Jacques Roubaud -que,
dentro do espírito do grupo Oulipo, inventam regras arbitrárias
que o poema deve seguir, combinando assim o rigor formal com a
explicitação da gratuidade de toda linguagem. Completam a brevíssima antologia Jean Daive,
Jean-Paul Michel, Jean-Michel
Espitallier e Philippe Beck.
Já a antologia "A Forja" reúne
poetas irlandeses escolhidos pelo
próprio Tápia, que tem uma longa história de convívio com a cultura do país (ele é um dos organizadores do tradicional Bloomsday, evento que anualmente homenageia o escritor James Joyce).
Além de Seamus Heaney (Nobel de 1995), o volume inclui outros sete autores: Michael Hartnett, Michael Longley, Michael
Smith, James Simmons, Richard
Ryan, Frank Ormsby, Aidan Carl
Mathews. Em praticamente todos, há a presença constante dos
dilaceramentos políticos que separam Dublin de Belfast, o embate entre a alta tradição da poesia
de língua inglesa e a nostalgia das
tradições arcaicas das aldeias irlandesas -como no belíssimo
poema que dá título ao livro, do
próprio Heaney.
Fragmentos
Autor: Xenófanes de Cólofon
Tradução: Daniel Rossi Nunes Lopes
Quanto: R$ 13 (48 págs.)
Dois ao Cubo
Autor: vários
Tradução: Roberto Zular e Veronica Galindez Jorge
Quanto: R$ 13 (36 págs.)
A Forja
Autor: vários
Tradução: Marcelo Tápia
Quanto: R$ 13 (36 págs.)
Prosa do que Está na Esfera
Autor: León Félix Batista
Tradução: Claudio Daniel e Fabiano Calixto
Quanto: R$ 13 (40 págs.)
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