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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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RODAPÉ

Bagatelas bissextas

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Assim como existem poetas bissextos, também há "editoras bissextas", que só publicam de tempos em tempos, lembrando-nos que, nesses tempos de produção em escala e de consumo frenético, a escassez pode ser uma virtude. É o caso da Olavobrás, editora que acaba de lançar quatro pequenos livros dentro da coleção Bagatela: fragmentos do filósofo grego Xenófanes, uma coletânea do poeta León Félix Batista e duas antologias de poesia contemporânea.
A coleção na verdade precede a editora: surgiu em 1985, na extinta Expressão, por iniciativa do escritor e tradutor Marcelo Tápia. Em 1987, ele e o poeta Luis Dohlnikoff criaram a Olavobrás, cujo nome, sugerido por Paulo Leminski, associa a marca Petrobras a um trocadilho com o nome do poeta parnasiano Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Desde então, a Bagatela passou a ser publicada pela Olavobrás, que nunca abandonou sua vocação bissexta, ressurgindo periodicamente com um pacote de lançamentos (o catálogo completo está no site).
Os títulos recém-lançados, apesar do tamanho pequeno, têm o mérito de serem bilíngues e de apresentarem textos inéditos em português. No caso de Xenófanes, trata-se de um conjunto de fragmentos que talvez interesse mais aos estudiosos da cultura clássica. Afinal, é preciso ter alguma familiaridade com filosofia e literatura gregas para identificar, por exemplo, uma crítica a Homero e Hesíodo em seus ataques ao antropomorfismo religioso. Por isso, os comentários do tradutor tornam-se essenciais para o leitor leigo.
No extremo oposto de tempo e espaço, o volume dedicado a Félix Batista traz a poesia de um jovem escritor da República Dominicana. São poemas em prosa de exuberância metafórica, uma "arena brutal do sentimento" que mostra como a imagética neobarroca, que irradiou de Cuba com Sarduy, Lezama Lima e Carpentier, continua viva na América Latina.
Mas são as duas antologias que mais surpreendem, pela capacidade de concentrar tanta informação em tão pouco espaço. Em "Dois ao Cubo - Alguma Poesia Francesa Contemporânea", Roberto Zular identifica pares de poetas que correspondem aos seis lados de um cubo que encarna a "tensão entre cálculo e imprevisto, forma e imaginário, que Valéry apontava (...) como um dos eixos centrais na história da poesia francesa".
Na seleção de Zular, há nomes consagrados como os de Georges Perec e Jacques Roubaud -que, dentro do espírito do grupo Oulipo, inventam regras arbitrárias que o poema deve seguir, combinando assim o rigor formal com a explicitação da gratuidade de toda linguagem. Completam a brevíssima antologia Jean Daive, Jean-Paul Michel, Jean-Michel Espitallier e Philippe Beck.
Já a antologia "A Forja" reúne poetas irlandeses escolhidos pelo próprio Tápia, que tem uma longa história de convívio com a cultura do país (ele é um dos organizadores do tradicional Bloomsday, evento que anualmente homenageia o escritor James Joyce).
Além de Seamus Heaney (Nobel de 1995), o volume inclui outros sete autores: Michael Hartnett, Michael Longley, Michael Smith, James Simmons, Richard Ryan, Frank Ormsby, Aidan Carl Mathews. Em praticamente todos, há a presença constante dos dilaceramentos políticos que separam Dublin de Belfast, o embate entre a alta tradição da poesia de língua inglesa e a nostalgia das tradições arcaicas das aldeias irlandesas -como no belíssimo poema que dá título ao livro, do próprio Heaney.


Fragmentos    
Autor: Xenófanes de Cólofon
Tradução: Daniel Rossi Nunes Lopes
Quanto: R$ 13 (48 págs.)

Dois ao Cubo    
Autor: vários
Tradução: Roberto Zular e Veronica Galindez Jorge
Quanto: R$ 13 (36 págs.)

A Forja    
Autor: vários
Tradução: Marcelo Tápia
Quanto: R$ 13 (36 págs.)

Prosa do que Está na Esfera    
Autor: León Félix Batista
Tradução: Claudio Daniel e Fabiano Calixto
Quanto: R$ 13 (40 págs.)



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