São Paulo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

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Carvalho radiografa vida e obra de Zé Lins

Diretor relaciona força criativa do autor à decadência dos engenhos do Nordeste

Filme inclui registros raros como o de um banquete no Flamengo e relato de morte que autor causou por acidente na infância

Divulgação
Com outro torcedor, o escritor José Lins do Rego (à dir.) abraça a bandeira do Flamengo


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Engenho de Zé Lins" é um título perfeito para o documentário que o cineasta Vladimir Carvalho, 72, lança amanhã em salas de cinema de São Paulo, do Rio e de Brasília.
No duplo sentido da palavra "engenho" estão contidas as duas linhas de força do filme: de um lado, o contexto de decadência dos engenhos de açúcar do Nordeste, engolidos pelas usinas; de outro, a força criativa de José Lins do Rego (1901-1957), autor de "Menino de Engenho", que plasmou em literatura esse processo social.
Paraibano de Itabaiana, cidade vizinha à Pilar natal de Lins do Rego, Carvalho diz que o filme tem aspecto autobiográfico, pois a figura do escritor foi importante na sua formação.
"Meu pai era fanático por Zé Lins e eu comecei a ler os livros dele logo depois de me alfabetizar", conta o diretor, que na infância foi punido com a palmatória pela mesma Dona Marieta, então já velhinha, que aparece moça no livro "Meus Verdes Anos", de Lins do Rego.
Carvalho levou cinco anos para concluir seu documentário. A demora se deveu à falta de recursos (o Fundo de Ajuda à Cultura, de Brasília, só entrou no final da produção) e à incessante descoberta de novos documentos sobre o escritor.
"Às vésperas de mixar o filme, uma das filhas de Zé Lins, Maria Cristina, achou a fita da entrevista que ele deu a uma rádio de Lisboa em 1956", diz o diretor, que reorganizou o material para utilizar esse depoimento como fio condutor.

Paixão rubro-negra
Vladimir Carvalho fez a maior parte da sua pesquisa no Rio, onde vasculhou os arquivos fotográficos da Academia Brasileira de Letras, do Arquivo Nacional e da editora José Olympio, além de consultar o acervo rico e disperso das três filhas do escritor.
Encontrou coisas preciosas, como registros cinematográficos de José Lins do Rego nos casamentos de duas filhas e cantando em um banquete do Flamengo, seu clube de coração, do qual foi dirigente.
A paixão rubro-negra do escritor, aliás, ocupa boa parte do documentário, que chega a exibir trechos de um fatídico Botafogo 2 x 1 Flamengo no Maracanã. O escritor e amigo Carlos Heitor Cony chama a atenção para uma foto em que Lins do Rego aparece "convulsionado pelo pranto", abraçado a uma bandeira do Flamengo, depois de uma derrota do time, possivelmente a mesma mostrada no documentário.

Morte acidental
O ponto nevrálgico do filme é um fato trágico ocorrido na infância do escritor e mantido em segredo pela família durante um século: quando menino, Zé Lins matou acidentalmente um amigo com um tiro.
Para vários dos entrevistados no documentário, essa obscura tragédia teria moldado a personalidade de Lins do Rego, ao lado da perda da mãe aos seis meses de idade e da asma que o acompanhou na infância.
Outro tema central é a amizade íntima entre Lins do Rego e Gilberto Freyre, comentada por entrevistados como Carlos Heitor Cony e Ariano Suassuna e ilustrada por lindas fotos. Numa delas, Freyre aparece nu, tomando banho de cachoeira.
Para Carvalho, o sentimento pessoal de perda que marcou a vida do escritor ecoa o processo de decadência dos engenhos. Dessa simbiose entre o íntimo e o histórico, Lins do Rego forjou clássicos como "Menino de Engenho" e "Fogo Morto".
Por falar em perda, melancolia e esquecimento: no filme, o diretor entrevista crianças da escola pública José Lins do Rego, em Pilar. Nenhuma delas sabe quem foi o escritor.


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