São Paulo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

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Biblioteca da França abre seu "inferno"

Acervo proibido de obras pornográficas e eróticas que escaparam à fogueira e à censura é exibido em Paris até março de 2008

Mostra traz gravuras do século 18, desenhos de Jean Cocteau e André Masson, livro de Jean Genet e escritos do marquês de Sade

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

A Biblioteca Nacional da França abriu as portas do inferno e convidou os parisienses a ver, a ouvir e a ler obras secretas. Uma ida à BNF já valeria o passeio pela arquitetura magnífica e pela visita a um bairro construído nas últimas décadas. Uma descida ao inferno junta, pois, o útil ao agradável.
As obras da mostra "L'Enfer de la Bibliothèque, Eros au Secret" (o inferno da biblioteca, Eros em segredo) são raríssimas e congregam um acervo proibido, escondido há séculos. Esse "inferno" está ao alcance de todos os moradores da capital francesa desde 4/12; na verdade, de quase todos, menores de 16 anos não entram.
O dicionário "Larousse" de 1870 define "inferno": "Termo que designa o lugar fechado de uma biblioteca onde são guardados livros cuja leitura se considera perigosa". Diz ainda que, na BNF, há um lugar vedado ao público, com volumes "de todos os excessos da luxúria que já foram escritos e desenhados, livros de obscenidade revoltante que não devem ser divulgados sob nenhum pretexto".
Uma das 11 edições do "Kama Sutra" da coleção do "inferno" recomenda no "aviso aos livreiros": "Este volume não deve ser posto à venda ou exposto em lugares públicos".
O "inferno" tem 2.000 obras raras de erotismo e pornografia que escaparam à fogueira ou à censura. Normalmente, a essa coleção só têm acesso pesquisadores com permissão especial. Segundo o poeta Guillaume Apollinaire, que organizou, em 1913, o volume "L'Enfer de la Bibliothèque Nationale", ele foi criado sob Napoleão e teria por modelo o "inferno" da Biblioteca do Vaticano.
Na exposição, há 350 obras expostas ao olhar, ao toque, ao ouvido, à leitura. A coleção de gravuras japonesas do século 18 e desenhos de artistas como André Masson ou Jean Cocteau estão ali com a preocupação de elucidar a evolução das obras eróticas desde a criação da imprensa.

Religião e obscenidade
"O que a exposição mostra são autores, polemistas e caricaturistas que abordaram questões políticas ou religiosas em termos considerados obscenos, o que fez que suas obras fossem colocadas no inferno", diz Marie-Françoise Quignard, uma das curadoras.
"Therèse Philosophe", de autor anônimo, publicado em 1748, fez tanto sucesso que alarmou as autoridades, que apreenderam várias edições. Foi por meio século o paradigma do livro pornográfico.
Antes da Revolução Francesa, Maria Antonieta foi alvo de panfletos em que era mostrada como depravada, adúltera e lésbica. "Les Fureurs Utérines de Marie Antoinette, Femme de Louis 16" (Os furores uterinos de Maria Antonieta, mulher de Luís 16) é um livro de poemas com desenhos delicados.
Obviamente, Sade, o divino marquês, que passou mais de 30 anos na prisão acusado de atentar contra a moral e os bons costumes, tem lugar de honra na exposição, com "Os 120 Dias de Sodoma", "Justine" e "A Filosofia na Alcova", além do panfleto "Franceses, Mais um Esforço Se Quiserdes Ser Republicanos", que prega a total ruptura com o cristianismo.
No século 18, o dos libertinos, o espaço da narrativa erótica ou pornográfica eram o convento, a alcova e o bordel. A prisão era o espaço para onde eram mandados os que escreviam, editavam ou ilustravam esses livros. Foi graças a bibliófilos que arriscaram a pele que as obras do "inferno" foram preservadas.
No século 20, Jean Genet recupera a prisão como espaço erótico. No seu livro "Le Captif Amoureux" (o preso apaixonado), escreve: "As prisões me foram acolhedoras como mães, mais que as ruas quentes de Amsterdã, Paris, Berlim ou Barcelona". A prisão foi o lugar em que ele pôde exercer e reivindicar a homossexualidade.
Por três meses, até 2 de março de 2008, fotos, estampas, gravuras e livros raros do "inferno" estarão expostos a todos os olhares. "Os olhos não se fartam de ver", diz a Bíblia, no livro de Eclesiastes.


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