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Biblioteca da França abre seu "inferno"
Acervo proibido de obras pornográficas e eróticas que escaparam à fogueira e à censura é exibido em Paris até março de 2008
Mostra traz gravuras do século 18, desenhos de Jean Cocteau e André Masson, livro de Jean Genet e escritos do marquês de Sade
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
A Biblioteca Nacional da
França abriu as portas do inferno e convidou os parisienses a
ver, a ouvir e a ler obras secretas. Uma ida à BNF já valeria o
passeio pela arquitetura magnífica e pela visita a um bairro
construído nas últimas décadas. Uma descida ao inferno
junta, pois, o útil ao agradável.
As obras da mostra "L'Enfer
de la Bibliothèque, Eros au Secret" (o inferno da biblioteca,
Eros em segredo) são raríssimas e congregam um acervo
proibido, escondido há séculos.
Esse "inferno" está ao alcance
de todos os moradores da capital francesa desde 4/12; na verdade, de quase todos, menores
de 16 anos não entram.
O dicionário "Larousse" de
1870 define "inferno": "Termo
que designa o lugar fechado de
uma biblioteca onde são guardados livros cuja leitura se considera perigosa". Diz ainda que,
na BNF, há um lugar vedado ao
público, com volumes "de todos os excessos da luxúria que
já foram escritos e desenhados,
livros de obscenidade revoltante que não devem ser divulgados sob nenhum pretexto".
Uma das 11 edições do "Kama
Sutra" da coleção do "inferno"
recomenda no "aviso aos livreiros": "Este volume não deve ser
posto à venda ou exposto em
lugares públicos".
O "inferno" tem 2.000 obras
raras de erotismo e pornografia
que escaparam à fogueira ou à
censura. Normalmente, a essa
coleção só têm acesso pesquisadores com permissão especial. Segundo o poeta Guillaume Apollinaire, que organizou,
em 1913, o volume "L'Enfer de
la Bibliothèque Nationale", ele
foi criado sob Napoleão e teria
por modelo o "inferno" da Biblioteca do Vaticano.
Na exposição, há 350 obras
expostas ao olhar, ao toque, ao
ouvido, à leitura. A coleção de
gravuras japonesas do século 18
e desenhos de artistas como
André Masson ou Jean Cocteau estão ali com a preocupação de elucidar a evolução das
obras eróticas desde a criação
da imprensa.
Religião e obscenidade
"O que a exposição mostra
são autores, polemistas e caricaturistas que abordaram
questões políticas ou religiosas
em termos considerados obscenos, o que fez que suas obras
fossem colocadas no inferno",
diz Marie-Françoise Quignard,
uma das curadoras.
"Therèse Philosophe", de autor anônimo, publicado em
1748, fez tanto sucesso que
alarmou as autoridades, que
apreenderam várias edições.
Foi por meio século o paradigma do livro pornográfico.
Antes da Revolução Francesa, Maria Antonieta foi alvo de
panfletos em que era mostrada
como depravada, adúltera e lésbica. "Les Fureurs Utérines de
Marie Antoinette, Femme de
Louis 16" (Os furores uterinos
de Maria Antonieta, mulher de
Luís 16) é um livro de poemas
com desenhos delicados.
Obviamente, Sade, o divino
marquês, que passou mais de
30 anos na prisão acusado de
atentar contra a moral e os
bons costumes, tem lugar de
honra na exposição, com "Os
120 Dias de Sodoma", "Justine"
e "A Filosofia na Alcova", além
do panfleto "Franceses, Mais
um Esforço Se Quiserdes Ser
Republicanos", que prega a total ruptura com o cristianismo.
No século 18, o dos libertinos,
o espaço da narrativa erótica ou
pornográfica eram o convento,
a alcova e o bordel. A prisão era
o espaço para onde eram mandados os que escreviam, editavam ou ilustravam esses livros.
Foi graças a bibliófilos que arriscaram a pele que as obras do
"inferno" foram preservadas.
No século 20, Jean Genet recupera a prisão como espaço
erótico. No seu livro "Le Captif
Amoureux" (o preso apaixonado), escreve: "As prisões me foram acolhedoras como mães,
mais que as ruas quentes de
Amsterdã, Paris, Berlim ou
Barcelona". A prisão foi o lugar
em que ele pôde exercer e reivindicar a homossexualidade.
Por três meses, até 2 de março de 2008, fotos, estampas,
gravuras e livros raros do "inferno" estarão expostos a todos
os olhares. "Os olhos não se fartam de ver", diz a Bíblia, no livro de Eclesiastes.
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