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CINEMA ESTRÉIAS
"Velvet Goldmine" faz síntese à altura do "glam rock"
ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha
Finalmente um filme sobre rock
feito por quem entende de rock.
"Velvet Goldmine", de Todd
Haynes, é o filme que o "glam
rock" merecia: subversivo, esperto e com uma trilha sonora matadora.
Que ninguém vá ao cinema esperando ver um documentário
sobre David Bowie, T-Rex, Roxy
Music e todos os outros grandes
nomes da era "glam". Haynes é
arrojado demais para apelar à
simplicidade.
É, afinal de contas, o diretor que
fez "Safe", um dos melhores filmes dos últimos anos, em que
uma dona-de-casa americana começa a sofrer de alergia à vida
moderna; fez também "The Karen Carpenter Story", um pseudodocumentário sobre a cantora
do grupo pop Carpenters, em que
todos os personagens eram bonecas Barbie. Todd Haynes não é
qualquer um; o convencional não
é o seu forte.
Simplificando muito, pode-se
dizer que "Velvet Goldmine" é a
história do "glam rock" contada
de uma maneira bem particular.
O "glam" (o nome vem de "glamour") foi um movimento musical que abalou o rock no início
dos anos 70. Seus principais artífices -Bowie, Marc Bolan (do T-Rex) e o Roxy Music- criaram
uma música escapista que ia na
contramão dos ideais hippies.
Se a filosofia de paz e amor dos
hippies era uma reação à realidade vigente, o "glam" ia além: pregava a criação de uma outra realidade, de um mundo andrógino,
hedonista, pansexual e libertário,
um mundo sem doutrinas ou regras. Valia tudo, homem com homem, mulher com mulher, qualquer coisa.
O "glam" criou seu próprio universo. Nada de política ou manifestos; a música falava agora de
discos voadores, de viagens cósmicas, de futurismo niilista à "Laranja Mecânica", de deuses de
plástico criados com o único objetivo de serem adorados. David
Bowie, o buda do "glam", encarnou este deus artificial, Ziggy
Stardust, o personagem andrógino que interpretava no palco (e
fora dele).
"Velvet Goldmine" é, grosso
modo, a história de David Bowie.
O próprio Bowie foi convidado a
participar do filme, mas se recusou. Também não permitiu que
suas músicas fossem incluídas na
trilha sonora (curiosamente, o
nome "Velvet Goldmine", título
de uma canção de Bowie, não estava registrado, então foi usado).
Mas seria pouco relegar o filme
a uma simples cinebiografia: o
que Todd Haynes conseguiu foi
condensar em duas horas toda a
mágica e audácia do "glam rock".
Todos os grandes personagens
daquela época estão lá, ligeiramente modificados e com outros
nomes (veja quadro ao lado). Dá
para identificar facilmente David
Bowie, Iggy Pop, Lou Reed, Tony
DeFries, Marc Bolan e muitos outros. Qualquer fã e conhecedor do
gênero vai se deliciar adivinhando as referências, os personagens
e agitadores do mundo "glam".
O visual de "Velvet Goldmine" é
uma estranha colagem de musical
da Broadway e "Rocky Horror
Picture Show". Há também semelhanças com filmes como "Performance" e o já citado "Laranja
Mecânica".
A estrutura narrativa é copiada
de "Cidadão Kane": um repórter
(Christian Bale) investiga o sumiço de um astro do rock, Brian Slade (Jonathan Rhys Meyers), personagem obviamente inspirado
em David Bowie. Entrevistando
amigos e parceiros do cantor, como a ex-mulher Mandy (Toni Collette, de "O Casamento de Muriel") e o roqueiro Curt Wild
(Ewan McGregor, de "Trainspotting", fazendo um xerox de Iggy
Pop), o jornalista reconstrói a trajetória do astro.
Haynes incorporou ao filme
uma estética puramente "glam",
exagerada e kitsch. Como as melhores músicas do gênero, o filme
é contado como se fosse um sonho, em sequências fragmentadas, sem ordem temporal dos fatos. "Velvet Goldmine" é um videoclipe gigante, uma declaração
de amor ao "glam rock" e a uma
época de quebra de barreiras morais e de comportamento.
Embora audacioso ao assumir o
panfletarismo gay (Haynes é um
aguerrido ativista de causas homossexuais), o filme tem um lado
ingênuo e inocente, que é também sua maior qualidade.
Há uma cena linda na qual o
jornalista volta dez anos no tempo e se vê sozinho no quarto,
abrindo o disco que acabou de
comprar e colocando o vinil delicadamente na vitrola. É uma experiência religiosa: o garoto sabe
que aquele pedaço de plástico vai,
de alguma forma, mudar sua vida. E quem já não viveu experiência semelhante? Todd Haynes entende que a idolatria juvenil não é
sinônimo de alienação, mas uma
válvula de escape, uma fuga.
Se a maior qualidade da boa
música é transportar-nos para
um lugar melhor, "Velvet Goldmine" faz sua parte, e nos leva a
uma época em que um acorde de
guitarra tinha o poder de mudar o
mundo.
Avaliação:
Filme: Velvet Goldmine (Velvet
Goldmine)
Diretor: Todd Haynes
Produção: Inglaterra, 1998
Com: Ewan McGregor, Jonathan Rhys
Meyers, Christian Bale, Toni Collette
Onde: a partir de hoje, nos cines Espaço
Unibanco 1 e Pátio Higienópolis 4
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