São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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Grupos de teatro se espalham em favelas cariocas e viram celeiro de novos talentos

No plano dos desvalidos

Alexandre Campbell/ 09.jan.2003 - Folha Imagem
Crianças da favela Parque Vila Nova que fazem parte de um grupo teatral


FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

É manhã de quinta-feira na favela Parque Vila Nova, antigo Lixão de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. No meio da rua de terra batida, crianças brincam numa roda. Batem palmas, cantam e criam histórias.
A roda na rua é, na verdade, um exercício de teatro. De repente, estouram os fogos: é o tráfico avisando que a Polícia Militar entrou na favela. De metralhadoras na mão, os PMs revistam um carro. O ritmo das palmas diminui, o dos fogos se acelera. Sem nada encontrar, os policiais vão embora. A aula de teatro continua.
Entre o tráfico, a polícia e o lixo, o teatro é a hora mais divertida das crianças da favela. O curso é mantido há um ano pelo CPT (Centro de Pesquisas Teatrais), companhia de teatro de Caxias.
No Parque Vila Nova, como em outras favelas dominadas pelo tráfico no Rio de Janeiro, grupos de teatro estão se transformando em uma alternativa de profissionalização para jovens e uma espécie de celeiro de eventuais talentos para o cinema nacional.
Na Vila Vintém (zona oeste), há seis anos foi criada a TVV (Talentos da Vila Vintém), hoje com 30 pessoas. Há grupos também na Rocinha, no Andaraí e em Vigário Geral (zona norte).
A inspiração de todos é o grupo Nós do Morro, criado há 16 anos no Vidigal (zona sul) e de onde saiu boa parte do elenco de "Cidade de Deus", filme de Fernando Meirelles, indicado do Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Três atores da Vila Vintém também participaram de "Cidade de Deus", um sinal de que a companhia está dando certo, apesar das dificuldades. Na TVV, faltam patrocínios, instalações, comida. Este ano o grupo montou o espetáculo "Um Filho Chamado Brasil", uma aula de história do país.
As apresentações são em escolas e nas comunidades vizinhas. A entrada custa R$ 0,50, e o dinheiro é usado na compra de figurinos.
O CPT, criado pelo ator e diretor Guedes Ferraz, tem uma estrutura bem melhor, pois utiliza as instalações do Teatro Armando Mello, da Prefeitura de Duque de Caxias. Diretor de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Cultura, Guedes administra o teatro.
Sem patrocínio, os atores fazem pedágios culturais para conseguir dinheiro para os espetáculos.
Há um ano, Guedes percebeu que, pelos corredores do teatro, circulavam crianças da favela vizinha, o Parque Vila Nova. Resolveu então levar as aulas para lá, e montou o curso numa sala cedida pela igreja de Santa Luzia.
Nas duas companhias, a aula é de teatro, mas os alunos aprendem também leitura, cenografia e noções de cidadania e boas maneiras. "O teatro é como esquecemos a realidade. Ao mesmo tempo, conseguimos aprender coisas melhores e mudamos de vida", diz Anthony Guedes, 16, do grupo da Vila Vintém.
Luiz Cláudio Aguiar dos Santos, 23, do Parque Vila Nova, voltou para a escola. "Minha mãe dizia que teatro era coisa de branco e de rico. Eu, preto e pobre, também posso fazer teatro", diz.

A INVASÃO E BAILEI NA CURVA - Grupo do Jeito que Dá e Centro de Pesquisas Teatrais. Texto: Dias Gomes. Quando: A partir de fevereiro, sáb. e dom., às 19h. Onde: Teatro Armando Mello, avenida Frei Fidélis, s/nš, Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Quanto: grátis.

UM FILHO CHAMADO BRASIL - Companhia Talentos da Vila Vintém. Texto: Otávio Moreira. Onde: Associação de Moradores da Vila Vintém. Quando: a partir de fevereiro, sáb. e dom., às 15h. Quanto: R$ 0,50.



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