|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
No romance "Pornô", o autor escocês Irvine Welsh retoma, dez anos mais tarde, a saga dos quatro junkies sem esperança de "Trainspotting",
que voltam ao distrito de Leith e à cena underground
de Edimburgo
Trainspotting + 10
Divulgação
|
Spud (Ewen Bremner, à esq.) e Renton (Ewan McGregor) em cena do filme "Trainspotting" |
ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Assim como era inevitável
que Simon D. Williamson
arrumasse um emprego que o
mantivesse próximo do sexo, das
drogas, dos jogos e da farra de
seus anos dourados, também era
inevitável que não durasse muito
no cargo. E até durou demais.
Mesmo se mostrando mais apresentável e mais experiente do que
quando deixou sua cidade natal
rumo a Londres, ele ainda era o
mesmo Sick Boy que funcionava
como o próprio RP de seu bando
na pós-adolescência.
Ao lado de Mark Renton, Frank
Begbie e Daniel "Spud" Murphy,
ele fazia parte do pequeno grupo
de junkies sem esperanças que
protagonizava "Trainspotting",
série de monólogos psicóticos sobre o underground de Edimburgo, Escócia, no final dos anos 80.
O livro, lançado originalmente
em 1993, colocou o escritor escocês Irvine Welsh no mapa do
mundo pop, especialmente após
as adaptações para o teatro (encenada em Londres por Harry Gibson, em 1995) e para o cinema (dirigida no Reino Unido por Danny
Boyle, em 1996).
Dez anos depois do golpe que
parecia ter desfeito de vez aquela
já esfacelada quadrilha, o acaso
reúne os quatro novamente no
decadente distrito de Leith, que
antes chamavam de lar.
E eles não estão felizes com o
reencontro. Apenas o tímido e
inofensivo Spud permaneceu nas
ruas de sua cidade, e ainda luta
para deixar o vício de heroína no
passado -como já aconteceu
com os outros três.
Depois de anos na prisão, o psicopata Begbie reza para encontrar
o desgraçado que lhe enviava revistas gays anonimamente quando estava na cadeia e para não encontrar Renton, a quem culpa por
sua estada atrás das grades. Sick
Boy tem de engolir o orgulho após
ser demitido de mais uma casa
noturna em Londres agarrando-se no pub de uma tia -para retornar à Escócia, que abomina.
Renton é praticamente "extraditado" de volta para o Reino Unido
por Sick Boy, que o encontra dono de uma boate em Amsterdã
-e o "ameaça" de entrar em seu
novo esquema: pornografia.
Assim começa "Pornô", último
livro lançado por Welsh, em 2002,
que agora ganha edição brasileira.
Depois da traição final de
"Trainspotting", seus protagonistas (se é que podemos chamá-los
assim) voltam a habitar o mesmo
ambiente, seus reencontros sendo
retratados como no livro inicial
-como monólogos atordoados.
Três deles têm filhos, todos estão sempre se ajeitando no espelho, fingindo não aceitar a velhice
que já desponta no horizonte. Estão mais reflexivos, mas isso não
quer dizer que a quantidade de sexo, drogas e violência diminuiu
-pelo contrário, isso continua
colado às suas personalidades como particularidade física.
Sexo casual, baseados, lugares
imundos, garrafas de vinho, muito sangue, carreiras de cocaína,
estupros, muita cerveja, ameaças
de morte e trambiques -o ambiente underground continua o
mesmo. Mas a lenta realização de
que os 40 anos estão na próxima
esquina e um balanço sobre a primeira metade da vida os torna
menos impulsivos e sem tanta sede de vida.
Tesão pela vida
Este lado é compensado no personagem de Nicola Fuller-Smith,
a estudante de cinema Nikki, dez
anos mais nova que o grupo e,
portanto, com a idade que seus
pares tinham em "Trainspotting".
A ela cabe o tesão pela vida e a lenta e deliciosa autodestruição do livro anterior. Manipuladora de
homens e pseudo-intelectual, tem
uma empáfia sensual típica das
meninas que se consideram no
controle da situação, provocando
combustão com a química ao lado de Sick Boy. Os dois -ególatras, centrados em sexo, arrogantes- formam um casal perfeito,
cínico e mau caráter.
Mas toda barra-pesada e desilusão é bem diluída no humor peculiar de Welsh, que vai da ultraviolência ao sadismo de desenho animado, de perversões intelectuais a egotrips mirabolantes.
Pornô
Autor: Irvine Welsh
Tradução: Daniel Galera e Daniel Pellizzari
Editora: Rocco
Quanto: R$ 62,50 (568 págs.)
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|