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ENTREVISTA
PAULO SERGIO DUARTE
Situação de museus de arte no país é deplorável
Para crítico e curador, políticas do Estado brasileiro "refletem estatuto da arte na consciência da elite, que é inexistente"
CRÍTICO, CURADOR e professor de história
da arte, Paulo Sergio Duarte cita o abandono do Museu de Brasília como exemplo da
indigência das políticas públicas em relação
ao setor e diz que o Instituto Brasileiro de Museus é só
"um escritório com diretoria e alguns assessores". Ele
vê os museus como "instrumentos indispensáveis para
qualquer sistema educacional que se preze" e advoga
interação entre essas instituições e universidades.
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Pesquisador do Centro de
Estudos Sociais Aplicados da
Universidade Candido Mendes, no Rio, Duarte, foi curador
da 5ª Bienal do Mercosul
(2005) e do Projeto Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural, no
ano passado. Ele cobra do governo Lula a definição de prioridades e defende que os museus federais sejam centros de
excelência e formação técnica.
Quanto às mudanças na Lei
Rouanet, propõe tratamento
especial para investimentos em
aquisição de acervos e infraestrutura de museus -hoje preteridos em favor do patrocínio
de exposições temporárias.
FOLHA - Qual é a situação da rede
de museus do país?
PAULO SÉRGIO DUARTE -
É preciso lembrar logo que só vamos
falar de museu de arte, a cultura em
tão elevado estado de condensação
que nós não chamamos de cultura,
mas de arte. No caso desses museus,
a situação é deplorável. Existem
ilhas razoáveis que estão longe de
dar um bom panorama histórico da
arte no país.
FOLHA - Qual é a responsabilidade
do governo nessa situação?
DUARTE - Não é um problema
só de governo, este ou passados. A política cultural do Estado reflete o estatuto da arte na
consciência da elite brasileira.
E esse lugar simplesmente não
existe, com raríssimas exceções. Repetindo o que digo há
30 anos: percorrendo, em qualquer uma das duas maiores cidades do país, todos os seus
museus, é impossível para um
professor dar um curso digno
da história da arte do século 20.
Tenho insistido sobre o fato
de que neste ano Brasília completa 50 anos. Onde está seu
museu de arte? No antigo Clube das Forças Armadas, depois
cedido para o Casarão do Samba, e posteriormente transformado no museu de arte. Está lá
num prédio interditado, cercado por hotéis de arquitetura pífia. Até aqui, este é o lugar do
museu na capital da nação. Eu
defendo que se faça um concurso internacional para este museu, como foi feito no Rio para o
Museu da Imagem e do Som.
FOLHA - Isso é simbólico quanto à
importância que o poder público
confere à arte?
DUARTE - Isto não acontece por
mero acaso no país no qual sobra dinheiro para malas em automóveis e aviões de pastores
evangélicos, fraldas de dólares
debaixo das calças de cabos
eleitorais e até nas meias de deputados. Qual pode ser o estatuto da arte nesse lugar? Como
acreditar que a arte é um conhecimento específico, muito
importante para compensar os
efeitos da indústria cultural, e
formar um olhar crítico no cidadão se, na capital do país, é
tratada de modo tão lamentável?
FOLHA - Como você vê a atuação
do Instituto Brasileiro de Museus
(Ibram), criado pelo governo?
DUARTE - Por enquanto, é um
escritório com uma diretoria e
alguns assessores.
FOLHA - Como ele deveria se estruturar?
DUARTE - Os museus são, antes
de tudo, equipamentos necessários à formação de cidadania
e um instrumento indispensável de qualquer sistema educacional que se preze. Com as tarefas enormes e com o alarme
de emergências tocando todo
dia, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional,
o Iphan, não pode dar a devida
prioridade aos museus.
Parodiando Carl von Clausewitz, na sua frase que já se tornou clichê: os museus são importantes demais para ficar nas
mãos de museólogos. Os acordos e convênios com universidades e institutos de ensino e
pesquisa nas diversas regiões
do país poupariam da inchação
o quadro de pessoal do Ibram.
Acredito que, para o primeiro mandato do presidente Lula,
estava correta a política do Ministério da Cultura de prospecção do campo realizada pelas
consultas a câmaras setoriais,
reuniões e estímulos à participação. Mas já é tempo de ter focos precisos, prioridades de
efeitos multiplicadores. Acima
de tudo, as instituições federais
têm de ser centros de excelência e de formação técnica.
FOLHA - Que prioridades?
DUARTE - Por exemplo, os projetos educativos dos museus
devem priorizar a formação de
professores e secundariamente
se voltar para o cidadão comum. As visitas de turmas de
alunos de escolas e colégios devem estar sempre programadas
como trabalhos práticos de
professores preparados pelos
próprios museus em programas de convênios com as secretarias de educação.
Os programas educativos para professores devem estar voltados para os docentes de todas
as áreas, e não apenas para
aqueles de arte e educação artística. Só desse modo fará sentido a divulgação dos números
de visitação de alunos; por enquanto servem para a satisfação demagógica e a prestação
de contas a departamentos de
marketing de patrocinadores.
FOLHA - Em relação a museus, o
que deveria mudar na Lei Rouanet?
DUARTE - Eu considero que deveria haver mais estímulo fiscal
aos investimentos em infraestrutura dos museus e aquisição
de acervos do que para exposições temporárias. Não se trata
de acabar com o estímulo às exposições e sua documentação
em catálogos. Mas a aquisição
de obras e publicações que exigem longas pesquisas e não estão vinculadas a um evento
temporário mereceriam receber tratamento diferenciado.
O mais grave, segundo li na
Folha [Ilustrada, 24/11/09], é
o governo querer disciplinar ou
mesmo proibir a remuneração
dos profissionais contratados
para dirigir museus ou instituições culturais que adquiriram
um estatuto autônomo, como
organizações sociais. É um estímulo ao pior amadorismo ou
a uma péssima elitização das
direções das instituições: só ricos, pessoas que não vivem do
que fazem, poderão ocupar essa direção, ou funcionários mal
remunerados.
FOLHA - Que lições devemos tirar
do incêndio que destruiu parte importante da obra de Hélio Oiticica?
DUARTE - A primeira lição é que
não se deve nunca dispensar
uma consultoria de risco indicada por uma boa empresa de
seguros para qualquer edificação que for armazenar acervos
preciosos. Mais do que isso:
uma das cláusulas ao uso das
leis de incentivo à cultura para
instituições que preservam
acervos seria a realização prévia da consultoria e o financiamento, pela própria lei de incentivo, da execução de todas
as medidas técnicas que sejam
recomendadas.
Acho que quem primeiro deveria dar esse exemplo é o próprio Ministério da Cultura, realizar essa consultoria em cada
uma das instituições sob sua
responsabilidade. A verdade é
que em muitos casos nem as
normas estabelecidas pelos
Bombeiros são cumpridas.
FOLHA - Se compararmos arte contemporânea, mercado e instituições
do Brasil com arte contemporânea,
mercado e instituições de países
mais avançados, quais são os principais descompassos?
DUARTE - Temos atualmente
uma excelente produção de arte, reconhecida, antes de tudo,
por importantes instituições e
coleções estrangeiras. Nossas
instituições apresentam os
mesmos descompassos que
existem para outras áreas, a começar pelo sistema educacional: quais são os descompassos
que existem entre os sistemas
educacionais brasileiro, japonês, alemão, americano, francês e inglês, por exemplo?
Nossas instituições de arte
estão para as instituições desses países assim como [estão]
nossa educação e nossos serviços de saúde. Quanto ao mercado, me parece que amadureceu
muito, nos últimos 20 anos, em
São Paulo; se estrutura no Rio e
em Belo Horizonte, mas depende exclusivamente de colecionadores particulares. As instituições públicas não têm recursos regulares para aquisições.
FOLHA - E as doações?
DUARTE - Dou um exemplo. A
diretora do Museu Nacional de
Belas Artes declarou que recebeu em poucos anos milhares
de doações. O número publicado chegava a dezenas de milhares, embora isso possa ter sido
um erro tipográfico. Mas, se é
verdade, é evidente prova do
elevado grau de indigência que
conduz a política cultural de artes visuais. Integrar o acervo do
Museu Nacional de Belas Artes
deve ser privilégio reservado às
obras de artistas que constituem um patrimônio do povo
brasileiro e cuja fruição vai efetivamente formar o olhar do cidadão no campo da arte.
Visite-se a sala de arte moderna e contemporânea do museu e ver-se-á que, além das
inúmeras lacunas, existe quase
sempre a inversão de valores:
quanto menos importante o artista mais espaço ocupa sua
obra. É uma aula completa do
que não deve ser feito.
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