São Paulo, sexta, 14 de fevereiro de 1997.

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EUA
Filme reúne luta de Ali e `Woodstock africano'

CLÁUDIA TREVISAN
de Nova York

Qual é o interesse de um documentário sobre uma luta que aconteceu em 1974 no Zaire? Enorme, quando se trata de Muhammad Ali, o ex-campeão mundial de box que assombrou o mundo com sua velocidade no ringue e suas posições políticas e religiosas.
Estréia hoje nos EUA "When We Were Kings" (Quando Éramos Reis), filme que revive o histórico confronto entre Ali e o então campeão mundial George Foreman, considerado imbatível.
Ali tinha 32 anos e havia sido campeão mundial dez anos antes. Foreman estava com 25, era dono do título mundial e vinha de uma série de vitórias que poucos acreditavam que seria interrompida.
O documentário, dirigido por Leon Gast, demorou 23 anos para ser concluído. Gast, que é branco, fez um filme sobre um embate entre negros, em um país negro e movido por música negra.
Os organizadores da luta realizaram no Zaire uma espécie de "Woodstock africano": três dias de música negra com a participação de James Brown, B.B. King, The Spinners, The Crusades, Miriam Makeba e outros.
"When We Were Kings" reúne os dois eventos -a luta e o festival-, com cenas das viagens para o Zaire, a preparação dos atletas e dos músicos e os embates, no ringue e no palco.
A trilha sonora traz parte dos concertos realizados no Zaire e composições de novos grupos. Os aclamados Fugees fizeram a música "Rumble in the Jungle" especialmente para o filme.
"When We Were Kings" ganhou o prêmio de melhor documentário da Associação Nacional de Críticos de Filme do país.
A narrativa é do escritor Norman Mailer, que acompanhou a luta no Zaire. O cineasta Spike Lee também faz comentários sobre Ali.
Corte no supercílio
A luta estava programada para o dia 25 de setembro de 1974. Quatro dias antes, quando os músicos, os atletas e parte do público já estavam no Zaire, o embate foi adiado por seis semanas.
Foreman havia cortado o supercílio durante o treinamento e só poderia lutar depois de o ferimento estar cicatrizado.
Quem pôde saiu do Zaire imediatamente. Ali e Foreman foram impedidos de deixar o país pelo ditador Mobutu SeSe Seko, o mesmo que enfrenta uma guerra civil hoje.
Os músicos fizeram o seu "Woodstock africano". O primeiro dos três dias foi um fracasso. A maioria dos estrangeiros havia deixado o país e a população local não tinha condições de pagar os ingressos. A saída foi fazer shows gratuitos nos dois últimos dias.
Nas seis semanas que antecederam a luta, o diretor Leon Gast acompanhou o treinamento de Ali e Foreman, com atenção especial para o primeiro.
Vitória
Ali aparece no documentário com toda sua fúria, autoconfiança, orgulho negro e irreverência. Desafia Foreman, diz que está melhor do que estava dez anos antes e afirma que vai vencer. E vence.
"Se você pensa que o mundo ficou surpreso com a renúncia de Nixon, espere até eu chutar o traseiro de Foreman."
Os dois boxeadores ganharam US$ 5 milhões cada um pela luta, pagos pelo ditador Mobutu, que estava interessado em promover a imagem de seu país.
Ali já chegou no Zaire como um rei. Havia sido campeão mundial e perdido o título em 1967, quando se recusou a lutar na Guerra do Vietnã. Também havia se convertido ao islamismo e abandonado o nome de Cassius Clay.
O ex-boxeador participou da entrevista coletiva sobre o filme, realizada na última segunda-feira em Nova York. Emudecido pelo Mal de Parkinson, ele respondeu a apenas uma pergunta, sobre o que havia sentido em ver a luta 23 anos depois. "Eu me senti velho", murmurou Ali.

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