UOL


São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Rivette abre a clarabóia do cérebro e deixa o ar entrar

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Quanto mais avançam na idade, cineastas célebres pela austeridade dos temas e pelo rigor das formas liberam-se e reencontram numa certa ligeireza o prazer da arte. Recentemente, isso pôde ser visto nos últimos filmes de Manoel de Oliveira, 94, e de Alain Resnais, 78, exibidos no país. Agora, chegou a vez de Jacques Rivette, 73.
O diretor, quinto nome essencial da nouvelle vague (ao lado dos de Godard, Truffaut, Rohmer e Chabrol), passou décadas subvertendo classicismos ("A Religiosa", "Jeanne la Pucelle"), elaborando experimentalismos ("Out One", "Pont du Nord") ou exibindo teorismo ("La Bande des Quatre", "Defesa Secreta"). Com muito brilho, mas sempre apartado do público. Daí sua presença rara nas salas brasileiras.
"Quem Sabe?" é a filtragem de tanto esforço artístico, sem um mínimo de concessão ao "popular" e, sobretudo, um filme capaz de agradar a muitos paladares.
Os temas rivettianos permanecem intactos: o teatro como espaço de revelação da vida, a vida como refém da representação, o mistério como momento de puro prazer. Acrescente-se a eles, um gozo cômico que oferece a exuberância de Jeanne Balibar.
Ela encarna Camille, atriz que abandonou Paris (e uma paixão tormentosa) e partiu para a Itália. Três anos depois, retorna com sua trupe, um novo companheiro e a tentação do passado.
Em torno dela, gravitam um diretor de teatro em busca de um manuscrito secreto e um filósofo com problemas de conexão com a realidade. Estes, por sua vez, se conectam com duas outras mulheres, igualmente belas e carnais. A última parte desse hexágono sentimental é Arthur, rapaz mimado, sedutor e canalha.
Rivette encena os jogos desses "seis personagens em busca (ou em fuga) de um amor" com extraordinário rigor. Melhor agora, pois o faz sem tornar isso enfadonho. Assim, alcança um patamar em que não precisa mais ser reconhecido pelos jogos conceituais.
Como na cena em que Camille escapa pela clarabóia e caminha delicadamente pelos telhados parisienses, com "Quem sabe?" Rivette se evade do cerebralismo e abre as portas de seu cinema para os espectadores que buscam apenas prazer. Agora, floresta negra satisfaz tanto aqueles que estudaram Heidegger como os prosaicos frequentadores de confeitarias.


Quem Sabe?
Va Savoir
    
Produção: França, 2001
Direção: Jacques Rivette
Com: Jeanne Balibar, Sergio Castellitto
Onde: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco 1 e Lumière 1



Texto Anterior: Caixa reúne parte dos filmes dos anos 80 e 90
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.