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CRÍTICA
Rivette abre a clarabóia do cérebro e deixa o ar entrar
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Quanto mais avançam na
idade, cineastas célebres pela austeridade dos temas e pelo rigor das formas liberam-se e reencontram numa certa ligeireza o
prazer da arte. Recentemente, isso
pôde ser visto nos últimos filmes
de Manoel de Oliveira, 94, e de
Alain Resnais, 78, exibidos no
país. Agora, chegou a vez de Jacques Rivette, 73.
O diretor, quinto nome essencial da nouvelle vague (ao lado
dos de Godard, Truffaut, Rohmer
e Chabrol), passou décadas subvertendo classicismos ("A Religiosa", "Jeanne la Pucelle"), elaborando experimentalismos
("Out One", "Pont du Nord") ou
exibindo teorismo ("La Bande des
Quatre", "Defesa Secreta"). Com
muito brilho, mas sempre apartado do público. Daí sua presença
rara nas salas brasileiras.
"Quem Sabe?" é a filtragem de
tanto esforço artístico, sem um
mínimo de concessão ao "popular" e, sobretudo, um filme capaz
de agradar a muitos paladares.
Os temas rivettianos permanecem intactos: o teatro como espaço de revelação da vida, a vida como refém da representação, o
mistério como momento de puro
prazer. Acrescente-se a eles, um
gozo cômico que oferece a exuberância de Jeanne Balibar.
Ela encarna Camille, atriz que
abandonou Paris (e uma paixão
tormentosa) e partiu para a Itália.
Três anos depois, retorna com sua
trupe, um novo companheiro e a
tentação do passado.
Em torno dela, gravitam um diretor de teatro em busca de um
manuscrito secreto e um filósofo
com problemas de conexão com a
realidade. Estes, por sua vez, se
conectam com duas outras mulheres, igualmente belas e carnais.
A última parte desse hexágono
sentimental é Arthur, rapaz mimado, sedutor e canalha.
Rivette encena os jogos desses
"seis personagens em busca (ou
em fuga) de um amor" com extraordinário rigor. Melhor agora,
pois o faz sem tornar isso enfadonho. Assim, alcança um patamar
em que não precisa mais ser reconhecido pelos jogos conceituais.
Como na cena em que Camille
escapa pela clarabóia e caminha
delicadamente pelos telhados parisienses, com "Quem sabe?" Rivette se evade do cerebralismo e
abre as portas de seu cinema para
os espectadores que buscam apenas prazer. Agora, floresta negra
satisfaz tanto aqueles que estudaram Heidegger como os prosaicos
frequentadores de confeitarias.
Quem Sabe?
Va Savoir
Produção: França, 2001
Direção: Jacques Rivette
Com: Jeanne Balibar, Sergio Castellitto
Onde: a partir de hoje nos cines Espaço
Unibanco 1 e Lumière 1
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